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A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

A Filosofia no Ensino Secundário

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Críticas à teoria ética de Kant

Apresento aqui uma série de primeiras críticas à ética Kantiana. Os textos são da autoria de Luís Rodrigues e pertencem ao seu manual de Filosofia, para o 10º ano, publicado na Plátano sendo um dos melhores manuais disponíveis para ensinar e aprender filosofia. Agradeço ao autor a autorização para publicação destes excertos.


1 – As regras morais não são absolutas
Kant defende que para agirmos moralmente temos de respeitar de forma incondicional um conjunto de algumas regras morais (deveres ditados pela nossa razão). Para Kant, essas regras morais são absolutas, são para serem respeitadas de forma incondicional, sem excepções, em todas as situações do nosso quotidiano.
Uma dessas regras é o nosso “dever de não mentir”. Para Kant, não devemos mentir em toda e qualquer situação. Mas quererei eu que este princípio de acção se aplique universalmente a todos os casos possíveis de acção? Vamos ver um caso em que é preferível mentir a dizer a verdade, ou seja, em que é moralmente mais correcto mentir a dizer a verdade, sendo o caso de termos de mentir com vista a salvarmos a vida de uma pessoa (lembre-se de que Kant admitira que não existiam excepções para a violação ou desobediência a estas regras morais).
Imagine que vai na rua e de repente vê um rapaz a correr aflito na sua direcção, entrando, logo de seguida, numa casa abandonada que se encontrava ao seu lado. Poucos segundos depois, quando retomava o seu percurso, avista um homem com uma pistola na mão que lhe pergunta de relance se viu algum rapaz a correr, percebendo de imediato, naquele momento, que o homem teria a intenção de disparar contra o rapaz e, provavelmente, de matá-lo. O que diz ao homem? Tem duas possibilidades de acção.
Uma das possibilidades é dizer a verdade ao homem, dizendo-lhe que o rapaz se encontra mesmo ali ao vosso lado, no interior da casa abandonada, sabendo que as consequências do que afirmou poderão eventualmente resultar na morte do rapaz.
A outra das possibilidades é mentir, dizendo ao homem que o rapaz seguiu em frente. Mentir? Mas isso Kant não o permitiria, diria. Exacto, não o permitiria. Mas o que é que para si é moralmente mais correcto, dizer a verdade e pôr em causa a vida de uma pessoa ou mentir e provavelmente salvar a vida de uma pessoa? De acordo com uma das formulações do imperativo categórico de Kant, como irias querer que todas as pessoas agissem quando confrontadas com essa situação:
1 – Que mentissem e não pusessem em causa a vida de um jovem
2 – Que dissessem a verdade e pusessem em causa a vida de um jovem.
Vamos colocar as duas na balança da decisão ética. Tenho a certeza de que a maioria das pessoas concordaria com a primeira das hipóteses.
É claro que Kant iria afirmar que, dizendo a verdade ou pura e simplesmente mentindo, as consequências são imprevisíveis. Portanto, o melhor é sempre dizermos a verdade, aquilo que a nossa razão nos ordena. Mas isto é absurdo, porque um caso como este põe em causa a vida de uma pessoa e, neste sentido, podemos dizer que as consequências daquilo que afirmamos poderão provavelmente resultar na morte de um jovem.
Ora, este exemplo revela que nem sempre é moralmente correcto termos de respeitar de forma incondicional as regras morais da nossa consciência racional, tal como Kant nos tinha dito. Logo, concluímos que as regras morais não são absolutas.
 
 
2 – A situação dos casos de conflito
Uma certa pessoa tem de optar entre duas possibilidades de acção (fazer A ou fazer B). Verifica-se que fazer A é moralmente incorrecto e fazer B é moralmente incorrecto. O que faria o defensor da teoria ética de Kant perante esta situação?
Atente na seguinte situação: “Durante a Segunda Guerra Mundial, os pescadores holandeses transportavam, secretamente nos seus barcos, refugiados judeus para Inglaterra e os barcos de pesca com refugiados a bordo eram por vezes interceptados por barcos patrulha nazis. O capitão nazi perguntava então ao capitão holandês qual o seu destino, quem estava a bordo, e assim por diante. Os pescadores mentiam e obtinham permissão de passagem. Ora, é claro que os pescadores tinham apenas duas alternativas, mentir ou permitir que os seus passageiros (e eles mesmos) fossem apanhados e executados. Não havia terceira alternativa.”
Os pescadores holandeses encontravam-se então na seguinte situação: ou “mentimos” ou “permitimos o homicídio de pessoas inocentes”. Os pescadores teriam de escolher uma dessas opções. De acordo com Kant, qualquer uma delas é errada, na medida em que as regras morais “não devemos mentir” e “não devemos matar” (ou permitir o assassínio de inocentes, no caso do exemplo dado) são absolutas. O que fazer então?
Verificamos que a teoria ética de Kant não saberia responder perante uma situação de conflito, porque proíbe ambas as possibilidades de acção por estas se revelarem moralmente incorrectas. Mas a verdade é que, perante uma situação destas, a qual por acaso se passou na realidade, teríamos de optar por uma dessas duas possibilidades. Se a teoria ética de Kant nos proíbe de optar por uma delas, mas na realidade somos forçados a optar por uma, a teoria ética de Kant revela-se incoerente. Incoerente porque aquilo que concluímos (existem casos em que temos de mentir) contradiz aquilo que Kant defende (não devemos mentir nunca e em qualquer situação e isto porque para Kant as regras morais são absolutas).
 


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Blog de divulgação da filosofia e do seu ensino no sistema de ensino português. O blog pretende constituir uma pequena introdução à filosofia e aos seus problemas, divulgando livros e iniciativas relacionadas com a filosofia e recorrendo a uma linguagem pouco técnica, simples e despretensiosa mas rigorosa.

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