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A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

Será a ética relativa? Não há verdades morais objectivas e absolutas? PARTE II

CONTINUAÇÃO

3.A Teoria dos Mandamentos Divinos. (TMD)
Segundo o subjectivismo moral, os juízos morais são verdadeiros se forem objecto de aprovação individual. Segundo o RMC, são verdadeiros se forem objecto de aprovação social ou cultural.
Para a Teoria dos Mandamentos Divinos, há também juízos morais verdadeiros mas esta verdade não depende do que o indivíduo ou as culturas julgam ser moralmente certo ou errado. A TMD opõe – se às duas teorias anteriores porque nenhuma delas permite falar de objectividade e universalidade dos juízos morais tais como Roubar é errado e Matar é incorrecto.
Para a TMD as verdades morais são estabelecidas por Deus. Assim um acto é errado porque Deus disse que era errado. É por Deus o proibir que é errado. É esta a resposta desta teoria à questão. Deus é a fonte da verdade moral. Nenhum critério moral é independente da sua vontade. Se Deus não existisse nada seria moralmente certo ou errado.
Como a vontade de Deus é absoluta as normas morais que ela institui são absolutas, isto é, valem para qualquer ser humano em qualquer época e em qualquer lugar, não admitem excepções. Por outras palavras, se Deus existe há um código moral absoluto - as leis ou mandamentos de Deus - que constitui o critério fundamental que nos permite avaliar as diversas crenças e práticas humanas. (NOTA NA MARGEM – Na Bíblia, em Êxodo 20:2-17 procure quais são os Dez mandamentos de Deus). Assim, a prática da tribo Kwakiutl de matar pessoas inocentes quando morre um familiar é errada porque viola as leis de Deus. O mesmo se pode dizer do costume indiano de queimar a viúva do esposo falecido juntamente com este. Ambas as sociedades podem não o saber mas segundo a perspectiva que estamos a expor isso só mostra que desconhecem a lei de Deus.
 
Será esta uma boa resposta ao problema?
As principais críticas á Teoria dos Mandamentos Divinos.
 
         1 – Nem todos acreditamos que Deus existe
Para os defensores da teoria dos mandamentos divinos as verdades morais resultam da vontade de Deus. As noções de bem e de mal têm origem divina. Esta crença depende de uma crença mais básica e fundamental: a existência de Deus. Mas podemos provar que Deus existe? Podemos justificar a tese de que Deus existe? Parece que se há desacordo quanto à resposta correcta a determinada questão moral também há desacordo quanto a saber se Deus existe. Quem não acredita que Deus existe não tem de aceitar a teoria de que a moral depende da religião.
2 – Mesmo os que acreditam na existência de Deus discordam quanto ao que Deus permite e proíbe.
Admitindo que é Deus que tem o poder de estipular o que é certo e errado fica contudo um problema por resolver: como saber o que Deus definiu como certo e errado, onde encontrar orientação moral? A resposta do crente será a de que Deus revelou a sua vontade nas escrituras sagradas. Assim, os cristãos podem consultar a Bíblia e os muçulmanos o Corão.
Contudo, nem todos os cristãos, por exemplo, concordam sobre o que é a vontade de Deus em questões morais. Há discórdia sobre assuntos como a guerra, o aborto, a pena de morte, o sexo pré-matrimonial, os direitos dos animais, etc. Quem tem razão acerca do que é a lei de Deus?
Actividade 3
1.     O que é a Teoria dos Mandamentos Divinos?
R: Na sua versão mais conhecida a teoria dos mandamentos divinos diz-nos que as noções de bem e de mal são criações de Deus. Sem Deus não há verdades morais objectivas e universais. Foi Deus quem distinguiu o certo do errado, estipulando que acções são moralmente correctas, permissíveis e inaceitáveis. Segundo esta perspectiva, uma acção é moralmente incorrecta porque Deus a definiu como errada. Consideremos o juízo moral Roubar é errado. O que torna este juízo moral verdadeiro? O facto de Deus ter determinado que roubar é errado. Moralmente correcto significa decidido e aprovado por Deus, o criador das leis morais. Moralmente errado significa que não foi querido nem é aprovado por Deus.
2. Na obra de Dostoeivsky, Os Irmãos Karamazov, Ivan Karamazov afirma: «Se Deus não existir tudo é permissível». Podemos dizer que Ivan é um defensor da teoria dos mandamentos divinos? Porquê?
R: Para os defensores da teoria dos mandamentos divinos se Deus não existisse nada seria moralmente certo ou errado. Como a vontade de Deus é absoluta as normas morais que ela institui são absolutas, isto é, valem para qualquer ser humano em qualquer época e em qualquer lugar, não admitem excepções. Por outras palavras, se Deus existe há um código moral absoluto - as leis ou mandamentos de Deus - que constitui o critério fundamental que nos permite avaliar as diversas crenças e práticas humanas. Segundo a TMD há respostas correctas e incorrectas, verdadeiras e falsas às questões morais. Só há um código moral verdadeiro: a lei divina. Ivan exprime esta ideia ao dizer que sem Deus valeria tudo, não haveria princípios morais objectivos e que a moral se tornaria arbitrária e subjectiva.
3. Há quem afirme que apesar da sua omnipotência, Deus não pode fazer com que um quadrado tenha três lados nem que dois mais dois sejam igual a quatro. Porquê? Porque são verdades evidentes por si. Mas um princípio como este: É errado matar pessoas inocentes para nos divertirmos não é evidente por si mesmo? Por que razão este argumento constitui uma objecção à teoria dos mandamentos divinos?
R:Acções intrinsecamente boas ou más são acções boas ou más por si mesmas, cuja maldade ou bondade é independente de qualquer perspectiva, seja ela humana ou divina. Para o defensor da TMD como é Deus quem determina o que é certo e errado, não há acções certas e erradas em si. O que torna uma acção errada é ser contrária à vontade de Deus. O que torna uma acção boa é que cumpre a vontade de Deus.
        4. 4.Dê atenção ao seguinte argumento:
Há actos intrinsecamente maus (maus em si mesmos)
Matar pessoas inocentes é um acto intrinsecamente mau.
Logo, o assassínio de inocentes é errado porque Deus o proíbe.
Considera válido este raciocínio? É um argumento com o qual o defensor da teoria dos mandamentos divinos estaria de acordo? Justifique a sua resposta.
R: Acções intrinsecamente boas ou más são acções cuja maldade ou bondade é independente de qualquer perspectiva, seja ela humana ou divina. Para o defensor da TMD como é Deus quem determina o que é certo e errado, não há acções certas e erradas em si. O que torna uma acção errada é ser contrária à vontade de Deus. O que torna uma acção boa é que cumpre a vontade de Deus.
O raciocínio é inválido porque a conclusão não é justificada pelas premissas. Um acto intrinsecamente mau é aquele que é mau independentemente de Deus o proibir ou não. Daí não podermos concluir que é intrinsecamente mau porque Deus o proíbe. Seria contraditório. O defensor da TMD estaria de acordo com o que diz a conclusão mas não com o modo como a ela se chegou. Consideraria mau este argumento porque está mal construído e se baseia em premissas que julgo falsas.
 
 
4.O Universalismo moral moderado.
Há quem pense que há verdades morais que não dependem nem das crenças de cada cultura, nem dos gostos e sentimentos dos indivíduos, nem da vontade de Deus. Um desses filósofos, James Rachels, propõe um universalismo moderado. 
O Universalismo moderado consiste em defender o seguinte:
1.Há valores e princípios universais e essa universalidade é necessária (imprescindível).
2. Há que distinguir verdades morais absolutas e verdades morais universais.
Um princípio moral universal aplica-se a todos os indivíduos mas admite excepções conforme os casos. Um princípio moral absoluto aplica-se a todos os indivíduos seja qual for o caso, ou seja, não admite excepções. Todos os princípios ditos absolutos são universais mas nem todos os princípios ditos universais ou objectivos são absolutos.
Que verdades morais são por Rachels consideradas universais e necessárias? Rachels apresenta três e afirma que o cumprimento destas normas é, essencial para assegurar a sobrevivência de uma sociedade ou a saúde do corpo social e só em circunstâncias extraordinárias é admissível violá-las. Ei – las:
1- Devemos proteger as crianças.
2- Mentir é errado e
3- O assassínio é errado.
 
Quanto ao primeiro princípio uma objecção surge imediatamente: os esquimós da tribo Inuit praticam o infanticídio. Temos de distinguir duas coisas para compreender o que Rachels defende: uma coisa é dizer que os princípios morais dependem do contexto cultural variando com ele e outra coisa é dizer que é a aplicação dos princípios (e não os próprios princípios) que varia conforme o enquadramento cultural e os problemas que cada sociedade em dado momento tem de resolver.
Voltemos ao caso do infanticídio entre os Inuit. Esta tribo de esquimós vive num meio escasso em recursos naturais. São os homens que caçam e procuram alimento. A dieta alimentar é exclusivamente constituída por carne e, apesar de as mulheres não serem improdutivas, são os homens que fornecem a alimentação. A taxa de mortalidade é muito mais elevada entre os homens do que entre as mulheres. O infanticídio atinge exclusivamente os bébés do sexo feminino porque um excesso de membros do sexo feminino seria prejudicial sendo os homens os únicos fornecedores de comida. Contudo, os bébés só são mortos em tempos de grande escassez e só se não puderem ser encontrados pais adoptivos. Em épocas muito difíceis, em que escasseiam os alimentos e em que manter vivos os bébés seria por em sério risco a sobrevivência dos filhos mais velhos, os mais desprotegidos e incapazes são mortos. Por outras palavras, os Inuit matam alguns recém - nascidos para proteger outras crianças, as crianças que já têm. No entender de Rachels, esta sociedade esquimó preza os mesmos valores que nós: cuidar das crianças para assegurar a sobrevivência do grupo.
Passemos ao segundo princípio. Por que razão todas as culturas têm segundo Rachels uma norma contra a mentira?
 Porque se houver a expectativa de que na maioria dos casos os outros vão mentir então a comunicação e a interacção social atingirão o ponto de ruptura e chegarão a um grave impasse.
O terceiro princípio diz-nos que nenhuma cultura aprova que se mate arbitrariamente alguém.
 Se vivermos na expectativa permanente de que os outros nos podem matar, se esta expectativa for a regra e não a excepção não arriscaríamos dar um passo para fora de casa e a desconfiança generalizada conduziria ao colapso da vida social.
 
 
Será esta uma boa resposta ao problema?
As principais críticas ao Universalismo Moderado.
 
1.Há culturas que desprezam a honestidade e louvam a mentira inteligente e eficaz.
 
 
Actividade 4
 
Leia atentamente o seguinte texto:
«Duas culturas podem partilhar os mesmos princípios morais mas a aplicação desses princípios pode depender das condições específicas de uma dada cultura. A moralidade é culturalmente condicionada mas isso não é suficiente para provar que os princípios morais são todos dependentes de tradições culturais. Cada cultura tem um conceito de assassínio, distinguindo-o de execução, matar na guerra e outros «homicídios justificáveis». A noção de incesto e outras regulações do comportamento sexual, os conceitos de restituição e reciprocidade, de obrigações mútuas entre pais e filhos, estes e outros conceitos são universais. Além disso, embora possa parecer que o conflito entre juízos morais se baseia no conflito entre princípios morais opostos, a diferença pode residir em diferentes crenças factuais. Por exemplo, em muitas culturas tribais é costume matar os próprios pais quando estes já não conseguem assegurar a sua própria subsistência e se encontram em estado de grande debilidade. Esta prática não só é radicalmente diferente da nossa como podemos julgá-la moralmente repugnante. Mas será que estas tribos diferem assim tanto de nós no plano moral? Surpreendentemente a resposta é não porque a diferença está não nos princípios morais mas sim nas crenças factuais. Estes povos matam os seus pais idosos porque acreditam que a condição física do corpo no momento da morte será a condição da pessoa numa vida depois da morte. Dada esta crença é importante apressar a morte a partir do momento em que o corpo começa a mostrar evidentes sinais de decadência de modo a que a vida depois da morte não seja degradante e dolorosa. Se os filhos não fazem isso aos pais não estão a comportar-se como é devido, estão a ser gravemente negligentes. Em outras culturas como as dos esquimós Inuit a dura luta pela sobrevivência num ambiente muito hostil determina prioridades que em abstracto julgaríamos moralmente repugnantes: cuidar e proteger as crianças mais velhas em detrimento dos recém-nascidos. A moral da história é que estas culturas tem basicamente os mesmos princípios morais que nós: 1) honra os teus pais, b)protege as crianças e c) promove o bem-estar global da sociedade. Contudo, a aplicação destes princípios é diferente da nossa porque têm diferentes crenças factuais acerca da morte e porque o ambiente físico em que vivem é radicalmente diferente»
a)      Que tese defende o texto?
R: Defende a tese de que as diferenças morais entre as diversas culturas humanas tem a ver não com os princípios morais básicos mas com as crenças factuais dessas culturas. O que varia de uma cultura para outra é a aplicação dos princípios, não necessariamente os próprios princípios.
b)      Que argumento utiliza para defendê-la?
R: Argumenta que não podemos julgar as práticas morais de modo abstracto e através de uma série de exemplos mostra que devemos articular os princípios morais com as crenças factuais e as necessidades de adaptação ao meio.
 
 
 
 
 
 
 
    
 
 
 
 
   Podemos dizer que acerca de problemas éticos há juízos verdadeiros e falsos?
                    Exemplo de juízo moral: Mentir é errado
 

Relativismo moral cultural
Subjectivismo moral
Teoria dos mandamentos divinos
Universalismo moral moderado
Este juízo é verdadeiro se uma sociedade ou cultura o considerarem moralmente verdadeiro.
Este juízo é verdadeiro se estiver de acordo com os sentimentos, gostos e crenças de um indivíduo.
Este juízo é verdadeiro porque Deus decidiu que é errado mentir
Este juízo é verdadeiro porque a desconfiança generalizada destruiria uma vida social minimamente saudável
Há verdades morais absolutas
Não há verdades morais objectivas e absolutas. Moralmente verdadeiro é o que depende do que uma sociedade ou uma cultura acreditam ser verdadeiro.
Objecções
1.Nem todos acreditamos que Deus existe.
2.Mesmo os que acreditam que Deus existe não estão de acordo quanto ao que ele proíbe e permite.
Há verdades morais objectivas
Objecções
1.Há culturas que desprezam a honestidade e louvam a mentira inteligente e eficaz.
Objecções
1.O RMC contradiz – se.
2.O RMC torna incompreensível a ideia de progresso moral.
3.O que uma sociedade acredita ser moralmente correcto pode ser moralmente incorrecto
4.O RMC não parece tornar possível o diálogo moral intercultural
Objecções
1.O SM contradiz – se.
2.O SM torna impraticável a discussão de questões morais.

 
 
 
TEXTOS
 
 
1
As duas formas básicas de relativismo ético
Embora o termo relativismo ético não seja familiar para muitas pessoas, quase toda a gente encontrou slogans relativistas como os seguintes:
1)      Não há verdades morais absolutas
2)      Nenhum princípio moral é verdadeiro para todas as pessoas em todos os tempos e lugares
3)      Nenhum princípio ético é melhor do que qualquer outro
4)      Todas as opiniões, estilos de vida e concepções do mundo são igualmente correctas.
5)      O que é verdadeiro para ti pode não ser verdadeiro para mim mas isso não quer dizer que não tenhamos ambos razão.
 
É possível ser um relativista acerca de tudo ou somente relativista acerca de verdades em certos domínios como a ética e a religião. O mais comum actualmente é as pessoas defenderem o relativismo no plano ético e serem absolutistas em outras áreas como as matemáticas e as ciências. O relativismo ético é a forma mais comum de relativismo.
As duas formas básicas de relativismo ético
Há duas formas básicas de relativismo ético: o relativismo ético subjectivo ou subjectivismo moral e o relativismo ético convencional ou cultural. Estas duas formas de relativismo definem-se do seguinte modo:
Relativismo ético subjectivo – a perspectiva segundo a qual:
a)      não há verdades ou princípios morais absolutos e universais; e
b)      a verdade dos juízos morais é relativa às opiniões, sentimentos e preferências de cada indivíduo.
Relativismo ético convencional ou cultural – a perspectiva segundo a qual:
a)      não há verdades ou princípios morais absolutos e universais; e
b)      A verdade dos juízos morais é relativa às crenças que os membros de uma cultura partilham.
Ambas as perspectivas negam que hajam verdades morais absolutas e objectivas. A única diferença entre estas perspectivas relativistas é a de discordarem quanto ao de que depende a verdade dos juízos e princípios morais.
Segundo o o relativismo ético subjectivo ou individual (a partir de agora chamar-lhe-emos subjectivismo ético) é realmente correcto aquilo que acreditas ser moralmente correcto. A ética é uma questão de opinião individual e se acreditas estar certo ninguém tem o direito de te dizer que estás errado.
Segundo o relativismo moral cultural o que é correcto para ti como indivíduo depende do que a sociedade ou cultura a que pertences acredita ser correcto. As crenças culturais estabelecidas no interior de uma sociedade constituem a autoridade suprema e definem em que devem acreditar os indivíduos que nela vivem e segundo elas são educados. Deste ponto de vista, as crenças e opiniões dos indivíduos devem subordinar-se ao que a maioria considera ser moralmente certo.
 
C. E. Harris, Jr, Applying moral theories, Wadsworth, 2002, pp. 45-46.
 
 
2
As consequências de levar a sério o relativismo cultural
 […] William Graham Sumner resume a essência do relativismo cultural. Sumner afirma que não há uma medida do certo e errado, além dos padrões de uma dada sociedade: «A noção de certo está nos hábitos da população. Não reside além deles, não provém de origem independente, para os pôr à prova. O que estiver nos hábitos populares, seja o que for, está certo». Suponha-se que tomávamos isto a sério. Quais seriam algumas das consequências?
 
1. Deixaríamos de poder afirmar que os costumes de outras sociedades são moralmente inferiores aos nossos.
Isto, é claro, é um dos principais aspectos sublinhados pelo relativismo cultural. Teríamos de deixar de condenar outras sociedades simplesmente por serem «diferentes».
Suponha-se que uma sociedade declarava guerra aos seus vizinhos com o intuito de fazer escravos. Ou suponha que uma sociedade era violentamente anti-semita e os seus líderes se propunham destruir os judeus. O relativismo cultural iria impedir-nos de dizer que qualquer destas práticas estava errada. (Nem sequer poderíamos dizer que uma sociedade tolerante em relação aos judeus é melhor que uma sociedade anti-semita, pois isso implicaria um tipo qualquer de padrão transcultural de comparação.) A incapacidade de condenar estas práticas não parece muito esclarecida; pelo contrário, a escravatura e o anti-semitismo afiguram-se erradas onde quer que ocorram. No entanto, se tomássemos a sério o relativismo cultural teríamos de encarar estas práticas sociais como algo imune à crítica.
 
2. Poderíamos decidir se as acções são certas ou erradas pela simples consulta dos padrões da nossa sociedade. O relativismo cultural propõe uma maneira simples para determinar o que está certo e o que está errado: tudo o que necessitamos é perguntar se a acção está de acordo com os códigos da nossa sociedade. Suponhamos que em 1975 um residente da África do Sul se perguntava se a política de apartheid do seu país — um sistema rigidamente racista — era moralmente correcta. Tudo o que teria a fazer era perguntar se esta política se conformava com o código moral da sua sociedade. Em caso de resposta afirmativa, não haveria motivos de preocupação, pelo menos de um ponto de vista moral.
Esta implicação do relativismo cultural é perturbadora porque poucos de nós pensam que o código moral da nossa sociedade é perfeito — não é difícil pensar em várias maneiras de a aperfeiçoar. No entanto, o relativismo cultural não se limita a impedir-nos de criticar os códigos de outras sociedades; não nos permite igualmente criticar a nossa. Afinal de contas, se certo e errado são relativos à cultura, isto tem de ser verdade tanto relativamente à nossa própria cultura como relativamente às outras.
 
3.A ideia de progresso moral é posta em dúvida.
 Pensamos habitualmente que pelo menos algumas das mudanças sociais são melhorias. (Apesar de, naturalmente, outras mudanças poderem piorar as coisas.) Ao longo da maior parte da história ocidental o lugar das mulheres na sociedade esteve severamente circunscrito. Não podiam ter bens; não podiam votar; e estavam em geral sob o controlo quase absoluto dos seus maridos. Recentemente, muitas destas coisas mudaram, e a maioria das pessoas pensa que isto é um progresso. Mas se o relativismo cultural estiver correcto, poderemos legitimamente pensar que é um progresso? Progresso significa substituir uma maneira de fazer as coisas por uma maneira melhor. Mas qual o padrão pelo qual avaliamos estas novas maneiras como melhores? Se as velhas maneiras estavam de acordo com os padrões culturais do seu tempo, então o relativismo cultural diria que é um erro julgá-las pelos padrões de uma época diferente.
 Estas três consequências do relativismo cultural levaram muitos pensadores a rejeitá-lo frontalmente como implausível. Faz realmente sentido, afirmam, condenar certas práticas, como a escravatura, onde quer que ocorram. Faz sentido pensar que a nossa própria sociedade fez algum progresso cultural, embora deva admitir-se, simultaneamente, que é ainda imperfeita e necessita de reformas. Uma vez que o relativismo cultural supõe, prossegue o argumento, que estes juízos não fazem sentido, não pode estar correcto.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral (2003), Cap. 2, pp. 37–43.

 

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Blog de divulgação da filosofia e do seu ensino no sistema de ensino português. O blog pretende constituir uma pequena introdução à filosofia e aos seus problemas, divulgando livros e iniciativas relacionadas com a filosofia e recorrendo a uma linguagem pouco técnica, simples e despretensiosa mas rigorosa.

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