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A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

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Razões para acreditar em deus

Há relativamente pouco tempo, surgiu, na secção de comentários deste blog, uma pergunta que me era dirigida: que razões tenho eu para não acreditar em deus? Convém esclarecer alguns pontos. Em primeiro lugar não se pode esperar que eu dê uma resposta conclusiva. De repente, do nada, eu que nem sequer conheço toda a argumentação em torno do problema da existência ou não existência de deus, apresentava neste modesto blog um conjunto de razões implacáveis para que os seres humanos deixassem de acreditar em deus. Imagine-se que eu conseguiria produzir o mesmo efeito para outras coisas, como obter dinheiro, felicidade, etc… de repente passaria a ser tomado como feiticeiro ou o próprio deus.
Rolando Almeida

 Quando afirmamos que temos razões para acreditar em X ou Y, não podemos querer dizer que conhecemos a verdade sobre X ou Y. Mas podemos querer dizer que desejamos conhecer a verdade sobre X ou Y. Mas então como se faz o percurso? Se não podemos saber, em rigor, que deus não existe, como é que podemos deixar de acreditar ou acreditar na divindade? O cepticismo pirrónico também não parece ser uma boa via. Mas a douta ignorância socrática afigura-se como uma boa proposta a tomar atenção. Afinal, é suficiente, para saber um pouco mais, saber que nada sabemos. Richard Dawkins no seu mais recente livro afirma ter descoberto que deus não existe, mas à medida que lemos o livro ficamos mais convencidos que ele, afinal, não nos consegue persuadir. Dawkins apresenta um argumentação plausível, mas não passa disso mesmo, de argumentação. E, ao contrário do que Dawkins acredita, ainda não provou que deus não existe, por muito desejo que tenha de o fazer. Ora aqui temos o ponto onde quero chegar: Dawkins, tal como eu, deseja provar a sua crença de que deus não existe, tal como Tomás de Aquino desejou provar o que acreditava, que deus existe. Tomás de Aquino espremeu  Aristóteles perseguindo a sua crença, mas, volvidos uns séculos, ainda está por provar que deus existe. E parece que, enquanto não existirem provas, temos sempre razões para duvidar, mesmo que alguém defenda que deus existe, mas é impossível provar a sua existência. E o mesmo deve acontecer a Richard Dawkins, isto é, ter de passar a vida a tentar provar que deus não existe sem que o consiga. Temos ainda de ter em atenção que para provar o que quer que seja, temos de ter em mente uma noção de prova que pode ser discutível, mas essa discussão não é a que tenho em mente neste momento. Talvez sejamos demasiado limitados para poder provar determinados aspectos e fenómenos do mundo. Talvez Dawkins e Dennett tenham razão e a evolução nos permita desenvolver a inteligência a tal ponto que deixamos de precisar de acreditar em deus. Ou talvez deixemos de acreditar em deus por pura estupidez. O certo é que parece não existir resposta conclusiva para este problema. Mas seria contraditório que a chave está no segredo dos deuses. E seria contraditório porque os deuses jamais poderiam guardar o segredo que nos revelaria a sua não existência, logo, acreditar que a resposta está no segredo dos deuses é acreditar que os deuses existem, pelo que não vale a pena ir por aqui. Qual, então, o caminho a seguir? O da discussão racional e o da tentativa de justificação das nossas crenças. Por esta via, não existe qualquer problema em eu acreditar que deus não existe, mesmo não sabendo provar porquê, ou mesmo não tendo razões ultra desenvolvidas para tal. Em adolescente não acreditava em deus e nunca tinha ouvido falar em filósofos ateus, nem existia um combatente como Dawkins para me começar a fazer pensar na questão. Cheguei lá por outras vias, pela solidão da terra onde cresci e pela necessidade de pensar. Essa possibilidade, a de deus não existir, era uma possibilidade que, já nessa altura, não poderia descartar. Ainda ninguém me tinha convencido que deus existia. Somente vivia num meio muito religioso no qual as pessoas faziam relatos de fenómenos que a minha curiosidade não podia aceitar passivamente. E resolvi inverter o sentido das coisas a ver no que dava. Claro está que esse movimento inicial levou a que hoje já conheça um bom bocado melhor o que é que muitos filósofos dizem acerca do problema da existência de deus. E, claro, posso discutir mais sofisticadamente a questão. Mas, mais uma vez, só estou a tentar justificar a minha crença. Claro que agora os leitores podem vir bater-me com alegações do género: “ah, vês! Afinal não sabes se deus existe ou não” como se, uma vez não sabendo se deus existe, tal como no argumento de Pascal, mais valesse acreditar. Mas não há razão para tal, porque o crente na existência de deus está exactamente na mesma posição que eu, com a desvantagem que a crença de que existe uma entidade superior reguladora, me pode impedir de muitas acções, nomeadamente, de pensar pela minha cabeça. Com efeito, isto também não tem de ser necessariamente assim, até porque talvez a maioria dos ateus também não pensem pela sua cabeça, mas por outras razões que não aquela que aponto para o crente.
Este ponto é muitas vezes esquecido mas parece-me essencial. Do que se trata quando queremos pensar filosoficamente, é de justificar as nossas crenças e podemos passar uma vida a fazer isso. É, normalmente, o que os filósofos fazem. No percurso descobrimos muitas mais coisas, muitas mais razões que nem imaginávamos ser possíveis. E é para isso que arranjamos razões, para justificar as nossas crenças para problemas que não podem ser provados pela via empírica. Se pudessem ser provados, também não precisaríamos de razões.  E isto se possuíssemos uma noção de prova que fosse, ela própria, irrefutável.


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Blog de divulgação da filosofia e do seu ensino no sistema de ensino português. O blog pretende constituir uma pequena introdução à filosofia e aos seus problemas, divulgando livros e iniciativas relacionadas com a filosofia e recorrendo a uma linguagem pouco técnica, simples e despretensiosa mas rigorosa.

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