Livros
Mas como se explica que aquela, que trabalha, vai às compras, educa os filhos, guia o carro, ama três homens, vai ao dentista, vai mudar de casa para a semana que vem, arranje tempo para ler, e este casto celibatário que vive de rendimentos, não o consiga?
O tempo para ler é sempre um tempo roubado. (Como aliás o tempo para escrever, ou para amar.)
Roubado a quê?
Digamos que ao dever de viver.
(…)
Tanto o tempo para ler como o tempo para amar dilatam o tempo de viver.
Se encarássemos o amor pela perspectiva do emprego do tempo, o que sucederia? Quem tem tempo para estar apaixonado? No entanto, alguma vez se viu um apaixonado não ter tempo para amar?
(…)
A leitura não resulta da organização do tempo social, ela é como o amor, uma maneira de ser.
A questão que se coloca não é saber se tenho ou não tempo para ler (tempo esse, aliás, que ninguém me dará), mas sim se tenho ou não prazer em ser leitor.
- Tempo para ler? Está no meu bolso.
Daniel Pennac, Como Um Romance, Ed Asa, Porto, 2002 , p. 133