Manuais 2007 - Análise e classificação
A seguir publica-se uma breve análise aos manuais de filosofia para o 10º ano, em 2007. A escolha e preferências procura ser imparcial e obedecer a critérios o mais objectivos possível, entre os quais:
- Adequação didáctica.
- Rigor científico.
- Aspecto gráfico.
- Clareza de linguagem.
- Outros aspectos, como preço e materiais adicionais.
No final apresentamos uma grelha comparativa de todos os manuais chegados das editoras. Os manuais são apresentados pela ordem da nossa preferência e são classificados de uma estrela a cinco estrelas.
Excelente | ***** |
Muito Bom | **** |
No Bom caminho | *** |
Mau | ** |
Inaceitável | * |
Consideramos que um bom manual é aquele que apresenta directamente os problemas da filosofia numa linguagem clara e didacticamente correcta, além de reflectir um bom conhecimento, por parte dos autores, da bibliografia actual. Claro está que não existem manuais perfeitos nem é disso que se trata. Acontece que alguns manuais são manifestamente maus, outros razoáveis e outros ainda com a qualidade desejável. Qualquer comentário será bem-vindo, alertando até para um ou outro ponto que a nossa apreciação possa omitir, evitando criar injustiças na apreciação feita. Desejamos que este pequeno trabalho incentive alguma discussão crítica em relação ao trabalho desenvolvido na nossa disciplina. Procuramos não ser evasivos nem usar critérios pessoais, mas estamos certos que qualquer apreciação comete as suas falhas. A nossa também, por certo, as comete. Apoiamo-nos na grelha que apresentamos para ter uma visão comparativa de alguns elementos de forma mais rigorosa e objectiva. Esperamos que este pequeno trabalho possa ser útil.
Classificação: *****
Esta é claramente a nossa primeira escolha. Em continuação da edição de 2003, este é um manual que apresenta os problemas da filosofia numa linguagem muito cuidada a pensar nos alunos do secundário. Além disso, mantém a coerência interna até à última unidade e todos os conhecimentos aprendidos na primeira unidade vão sendo aplicados ao longo das seguintes. Graficamente também bate os outros manuais. É muito sóbrio, com esquemas e sínteses muito intuitivas, longe da confusão de outros manuais. A bibliografia é correctamente citada, não esquecendo o nome dos tradutores e o ano de edição. Além do rigor didáctico, o Arte ainda consegue outra proeza: o caderno do professor é verdadeiramente útil para o professor, com soluções de todos os exercícios, planificações aula a aula e ainda testes sumativos com as respectivas soluções de resposta. O Arte tem um site de apoio com muitos textos disponíveis, grande parte deles traduzidos pelos próprios autores como acontece no corpo do próprio manual. Tem ainda um fórum de apoio on-line permanente aos professores ao longo de todo o ano lectivo. Se pensarmos que um manual é feito para os alunos estudarem, o Arte é sem dúvida alguma a escolha certa. Apesar de outros manuais se aproximarem do Arte, ainda nenhum alcançou o seu nível de qualidade. Pela oferta observada neste pequeno estudo, alguns manuais parecem felizmente inspirados nas propostas do Arte, não decorrendo qualquer defeito daqui, porque nenhum é uma imitação. Esta apreciação é sumária e não exaustiva, pelo que muitos aspectos vão ficar por referir. Com efeito, queríamos ainda destacar o modelo apresentado no Arte como um dos modelos mais estimulantes de apresentar a filosofia aos jovens alunos: problema – teoria – objecção. O caderno do aluno é oferta da editora. O Arte é o melhor manual não só no profissionalismo exibido, mas até no preço (o mais baixo de todos, se contarmos que o caderno do aluno é oferecido). Há outros manuais mais baratos, mas o aluno tem de pagar o caderno de actividades o que o torna mais caro que o Arte. Além disso, o Arte tem dois volumes o que implica um custo maior para a editora.
Classificação: ****
Estamos perante uma agradável surpresa. Este não é seguramente um manual do «eduquês», mas antes um manual inspirado na filosofia e nos seus problemas. Por comparação não consegue ainda a frescura de linguagem do Arte de Pensar, mas tendo em conta que os autores são estreantes, certamente que uma segunda edição irá superar todas as expectativas. O grafismo do manual parece-nos algo discutível, apesar de consideramos agradável. De todo o modo, como acontece no Arte, as imagens não são colocadas ao acaso, mas com um sentido certo, o que revela a preocupação dos autores em apresentarem um trabalho consistente. Quem ganha com este profissionalismo dos autores são os alunos que começam a perceber que as coisas têm de obedecer a uma ordem e rigor. O Guia do Professor é desnecessário, mas pode ser compensado pelo Manual Electrónico só acessível às escolas que adoptarem futuramente o manual. O Criticamente é a prova que se podem fazer bons manuais que apresentem os problemas filosóficos de forma clara. Não leva as cinco estrelas porque acreditamos que este é um manual pelo qual o aluno precisa ainda muito da orientação do professor para por ele estudar, ao contrário do Arte que garante muito mais autonomia no estudo pessoal do aluno. Apesar de apresentar as questões de revisão, o manual poderia ter sido enriquecido com pequenos esquemas que funcionassem como sínteses das explicações. Estamos perante um manual sério que não deixa ficar mal vista a disciplina e qualquer professor se poderá orgulhar de ensinar filosofia com esta boa ferramenta.
Classificação: ****
Na verdade o manual de Luís Rodrigues está empatado com o Criticamente resultando, tal como o anterior, numa escolha acertada para o professor que com ele pretenda desenvolver o seu trabalho. Tal como o Arte, são dois volumes, o que torna até o transporte mais fácil. E, tal como o Arte, o caderno do aluno também é oferecido (mas é mais caro que o Arte). O manual está muito bem conseguido, mas curiosamente o 2º volume parece estar uns palmos abaixo do 1º, não se percebendo muito bem como tal aconteceu. Mas já lá vamos! Nota-se um cuidado primoroso da editora pela qualidade gráfica do manual, mas as imagens escolhidas não têm grande qualidade, o que não combina bem com o próprio grafismo. Apostou-se demasiado nas imagens de capas de livros, e temos dúvidas das vantagens significativas dessa opção num manual escolar. Mas o autor revela um bom conhecimento bibliográfico e posições coerentes sobre o modo de trabalhar um programa de filosofia. A filosofia é novamente apresentada como um conjunto de problemas e teorias que podem ser objectáveis e refutadas. O que acontece no volume 2 (Dimensão Religiosa, Dimensão Estética e Temas e Problemas) é que as matérias aparecem umas atrás das outras sem a exploração mais aprofundada das unidades do primeiro volume. Na unidade final é apresenta somente um tema. O professor fica limitado ao tema do manual não podendo optar por outro, quando há manuais que apresentam mais que um tema como opção. É ainda discutível a capacidade problematizadora da unidade da Estética para o aluno. Ainda assim, estamos perante uma segunda opção, ao lado do Criticamente, que mostra a filosofia e os seus problemas tal qual ela e eles são. Sem dúvida alguma que resulta numa óptima escolha.
Classificação: ****
O Logos é ainda uma das melhores opções que nos chegaram às mãos, ainda que não respire o fulgor da clareza da nossa primeira opção, o Arte. Tem ainda alguns pontos a desfavor que o colocam abaixo das 3 primeiras escolhas. É mais caro. Não se compreende a razão de o livro do professor ter autores diferentes dos do manual o que resulta numa orientação diferente da opção no corpo do manual. Globalmente não encontramos erros óbvios. Com um grafismo muito bem cuidado, é um manual que cumpre com um bom ensino da filosofia, mas o aluno necessita de ser estimulado pelo professor para começar a ler e estudar por este livro. Tem a tendência a apresentar os problemas de forma algo mais dogmática que os manuais anteriormente referidos. Muitas das vezes este problema pode ser contornado nos exercícios propostos aos alunos no final de cada unidade. No final, os autores apresentam uma síntese cronológica da história da filosofia. Dada a riqueza da filosofia contemporânea é manifestamente incompleta a cronologia apresentada. Há ainda uma opção muito discutível na concepção deste manual. Os autores abusaram de textos de introduções à filosofia, como a de Nigel Warburton, quando deveriam ter usado directamente os textos dos filósofos. O que o Warburton fez é o que qualquer autor de um manual deve fazer. Não faz sentido um autor de um manual usar textos de outro autor de um manual para expor um problema de Kant ou Mill quando temos os textos de Kant ou Mill que são riquíssimos.
Contextos, Marta Paiva, Orlanda Tavares, José Ferreira Borges, Porto Editora
Classificação - ***
O Contextos foi apresentado pela editora como um manual em que os autores se empenharam por investigar as tendências dos jovens e os seus gostos e referências. Percebe-se logo que estamos perante um manual que se cose com as linhas do «eduquês». Logo no início é proposta a letra de uma canção de Boss Ac para responder a um questionário. A ideia é agarrar o aluno para a filosofia partindo das suas referências. Conversa fiada!
Ainda na primeira unidade o manual apresenta distinções desnecessárias, como entre filosofia sistemática e espontânea, entre dimensão prática e teórica. Os lugares-comuns também aparecem, tal como as características da filosofia. Claro está que a filosofia, como qualquer saber tem os seus lugares-comuns. Por lugares-comuns entendemos aqueles que aparecem normalmente nos manuais de filosofia, mesmo estando errados. Quando um autor opta pela exposição das características da filosofia está a roubar lugar à filosofia enquanto actividade crítica. Que faz um professor e os alunos com as características da filosofia? O valor da exposição deste tipo de temas é tanto como se estivéssemos a dizer que os filósofos gregos gostavam de mais de roupas azuis e amarelas, ao passo que os medievais já apreciavam muito o vermelho. Mais tarde isto só irá servir para colocar ao aluno uma questão que lhe pede tudo menos capacidade crítica de análise de um problema. A filosofia do Contextos é apresentada ao aluno como:
«um esforço de defesa de ideias e de clarificação de conceitos» (p.40).
A filosofia não é, deste modo, apresentada como aquilo que ela é, uma discussão crítica de razões que se oferecem para defesa de uma tese. É um erro muito comum nos manuais – e o Contextos não escapa a esse erro – dizer aquilo que a filosofia é, sem mostrar como e porquê ela é assim. Assim, diz-se que a filosofia é a clarificação de conceitos mas não se mostra como se clarifica conceitos. E isto acaba por resultar como uma receita que, normalmente, o aluno decora para escrever num teste, mas não é estimulado a pensar. Na análise da dimensão religiosa, quase toda a unidade é ocupada com temas como «a dimensão social da religião», mas evitando o problema da existência de deus que ocupa somente uma pequena parte da unidade. Dá a ideia que a filosofia da religião é estudo híbrido entre a história e a sociologia e os filósofos pouco ou nada têm a dizer sobre o assunto. Ignora-se sem dó nem piedade os textos dos filósofos e os problemas da filosofia.
Graficamente é um manual muito ao estilo do «eduquês», com imagens que na maior parte das vezes não têm qualquer relação com o que se está a explicar. O manual apresenta ainda uma barra lateral com indicações para o professor. Mas essa opção torna o manual mais confuso e pesado. Seria um dos manuais mais baratos (diferença de 10 cêntimos) caso o caderno do aluno fosse oferecido. Sendo pago, o manual acaba por ter um preço mais elevado que outros manuais.
Percursos, Carlos Amorim, Catarina Pires, Areal Editora
Classificação: ***
Este é um manual de transição. Uma boa parte da desvalorização dos manuais classificados a partir do Percursos, nesta nossa lista, perde por não apresentar a filosofia como uma actividade de discussão racional, transformando-a numa espécie de receita que pouco estimula o aluno. Essa tendência observa-se quando os autores, no lugar dos textos dos filósofos ou dos problemas filosóficos, optam por colocar textos sociológicos ou rematar os problemas como se estes tivessem uma solução pronta a oferecer. Isto é, na verdade, o que os alunos querem. Precisam e desejam respostas, mas a filosofia aparece como disciplina de formação geral precisamente para mostrar que as coisas não são bem assim. Mas para tal é necessário abrir a discussão filosófica e não fechá-la, banalizando-a, ou passando a ideia que os problemas estão resolvidos, como acontece com os manuais que aqui classificamos nas últimas posições. O Percursos apresenta assim ao estudante a filosofia:
«as questões filosóficas são as questões primeiras e essenciais que todos um dia colocamos, e demonstram uma curiosidade que com o tempo tendemos a perder. Porque perdemos essa curiosidade? Porque nos afastámos desse mistério? Pela dificuldade das respostas? Não, o problema não é a dificuldade das respostas; o que se passou é que ficámos presos a um conjunto de respostas sobre o eu, sobre o conhecimento e sobre a realidade, que demos como garantido pela segurança que nos transmitem. No fundo, mais do que conhecimentos, adquirimos crenças. Com isto criamos uma realidade estável, fixa e imóvel que não existe de facto. Nesta medida podemos dizer que possuímos conhecimento mas não possuímos sabedoria. Sócrates identificou precisamente este problema que é o principal obstáculo à filosofia – pensar que já se sabe tudo» (p. 18-19).
Este tipo de afirmações logo no início do manual só baralha o aluno. Primeiro que tudo a distinção entre conhecimento e sabedoria não nos parece correcta. Segundo, fala-se em crença sem explicar o que se quer dizer com isso. O que acontece é que a generalidade dos filósofos defende que o conhecimento é crença verdadeira justificada (sendo depois muito difícil caracterizar o tipo correcto de justificação) e daí a necessidade de argumentação racional e filosófica para justificação das nossas crenças. Mas tal problema nem deve ser colocado nesta unidade inicial. Na barra lateral os autores sugerem ao professor que faça a distinção entre conhecimento e crença. Mas o que pretendem os autores exactamente com isso? É que o conhecimento não se distingue da crença, começa com ela. A crença é uma condição necessária ao conhecimento, apesar de ainda insuficiente. Pegando noutro exemplo, relativamente aos valores, os autores definem objectivismo axiológico do seguinte modo:
«para o objectivismo axiológico, os valores existem em si mesmos. São independentes dos sujeitos que os preferem ou desejam. São objectivos e absolutos. Não variam em função das flutuações dos nossos estados psíquicos ou das transformações histórico culturais. São intemporais e universais. Ainda que todos nós fossemos injustos a Justiça continuaria a ser, em si mesma, um valor» (p. 67).
Esta é uma definição comum, mas errada. Então donde vêm os valores, do ponto de vista objectivista? Os autores apresentam a definição como receita, não estimulando o aluno a pensar sobre o problema. Por outro lado, defende-se a objectividade dos valores como uma possibilidade racional, como Kant o sugeriu. Estamos perante um manual que tem a intenção positiva de agarrar a filosofia pelos problemas, mas que ainda é manifestamente insuficiente no modo como o faz. Na Estética, por exemplo, os autores exploram somente a teoria da forma significante em parcas linhas nem sequer abordando as outras teorias em disputa. Em conclusão, é um manual insuficiente, por vezes muito confuso e que não passa das intenções. Graficamente é um manual ainda muito confuso recorrendo aos lugares-comuns da banda desenhada do Calvin & Hobbes e diversos cartoons. As 3 estrelas valem pela intenção.