Ser Professor
O ensino é muito importante. Não é só uma necessidade chata que paga o nosso salário para que possamos usufruir do prazer da pesquisa.
Na minha opinião, a característica mais importante dos bons professores é que se põem na posição do estudante. Não é só uma questão de dar aulas claras e correctas e corrigir testes; o objectivo principal é ajudar o estudante a compreender as matérias. Quer estejas a dar uma aula ou a falar com estudantes durante as horas de serviço, tens de lembrar-te que aquilo que parece ser perfeitamente óbvio e transparente para ti pode bem ser misterioso e opaco para alguém que nunca se deparou com essas ideias na vida.
Eu tentava sempre lembrar-me disso. Quando se está a corrigir testes, é fácil começar a pensar, «Já lhes ensino estas há vinte anos, e eles ainda não compreendem». Mas cada novo ano traz novos estudantes, que se deparam com muitas das mesmas dificuldades dos seus predecessores, cometem os mesmos erros, enganam-se nas mesmas coisas. Não é culpa deles se tu já viste tudo isso a acontecer várias vezes.
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Ainda me consigo lembrar claramente das minhas primeiras aulas; era mais fácil para mim ensinar naquela altura do que dez anos mais tarde. Passado um bocado, ficas a saber demasiado, e há o perigo de que tentes passar todo esse conhecimento e esclarecimento aos alunos. É um grande erro. Eles não têm a mesma perspectiva que tu tens. Por isso aplica-se o princípio KISS: keep it simple, stupid. Limita-te aos pontos principais e tenta não devaneares, se para o fazeres os estudantes tiverem de compreender ideias novas que não pertencem ao programa, não importa o quão fascinantes e esclarecedoras elas te possam parecer.
O sistema americano é mais directo do que o britânico neste aspecto. Tipicamente, existe um manual aceite e um programa estipulado – ao ponto de se saber quais as páginas e parágrafos específicos que têm de ser incluídos – de forma que o conteúdo do curso está estabelecido e toda a gente sabe o que ele é, ou deveria saber. Mas há ainda espaço para a contribuição do professor, e há um equilíbrio delicado entre ajudar os estudantes ao dar a nossa própria perspectiva da matéria, e confundi-los ao introduzirmos demasiados ideias desnecessárias.
Por isso, antes de dizeres a alguém algo que não esteja no programa, precisas de te perguntar a ti mesma, se eu fosse uma estudante, que tivesse lido o manual de estudo até esta página específica e não mais, o que é que me ajudaria mais a compreender a matéria? E o passo fundamental em arranjares uma boa resposta é teres a certeza de que tu própria compreendes a matéria.
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Nas escolas primárias britânicas, o sistema educativo chegou a um ponto onde se falha espectacularmente neste processo. Temos hoje em dia um «curriculum nacional» altamente prescritivo, em que os professores têm de – literalmente – pôr cruzes em centenas de caixinhas para avaliar o progresso dos estudantes. Conseguem contar até cinco? Cruzinha. Conseguem somar cinco e três? Cruzinha. Está assumido que o que conta é serem capazes de obter a resposta. Mas aquilo que é realmente importante é como é que eles obtêm a resposta. Sou antiquado o suficiente para acreditar que de qualquer forma eles têm de obter a resposta correcta; não defendo um sistema em que não se dê importância ao «método». Mas estou absolutamente convencido de que pôr cruzinhas numa série de caixinhas não é maneira de ensinar matemática a quem quer que seja.
Ian Stewart, Cartas a Uma Jovem Matemática, Relógio D`Água, 2006, p.123-29 (trad. Pedro Ferreira)