Uns tempos de visita a universidades americanas mostram realidades assustadoras - para as universidades portuguesas. Cursos que começam a horas, salas ocupadas, bibliotecas abertas durante a noite; o panorama deixa-nos "pró-americanos", para retomar uma classificação pejorativa muito em voga. E deixa um amargo de boca quando se lêem os resultados do inquérito sobre a Universidade de Coimbra, realizado por Rui Bebiano e Elísio Estanque, e que nos informa que cerca de 18,3% dos inquiridos revelou jamais ler livros (ou seja, 33% de rapazes e 11% de raparigas) e 33% não ler jornais. Este inquérito dá conta da surdez da universidade e, embora seja mudo, grita bastante, dá conta da miséria verdadeira em ambiente universitário.
Em Washington, na Georgetown, dei uma conferência na sala de Estudos Árabes; os alunos não protestaram por ser à hora de almoço e reparei que, num semestre, tinham lido mais livros portugueses do que todos os frequentadores da Universidade de Coimbra durante um ano ou mais. Muito mais, aliás. Uns dias depois, assisti a uma aula de filosofia na Brown, em Providence, - discutia-se "A Ideologia Alemã", de Marx e Engels, que os alunos tinham lido, juntamente com Weber, Nietzsche, Feuerbach ou passagens de Hegel. Aliás, o professor lançava armadilhas a meio "Em que página vem isso? Em que livro leu esse conceito?" Na semana seguinte vão discutir Weber. Lêem dez livros por semestre neste curso.
A Brown University, aliás, é um exemplo traumático. As bibliotecas enchem-se depois das oito da noite, após o jantar. À meia-noite podem consultar-se microfilmes ou assistir a reuniões de grupos de trabalho na área das ciências. Na quinta-feira passada fui convidado para jantar com um grupo de alunos no Faculty Club da Brown; às dez da noite pediram desculpa mas tinham de retirar-se - havia trabalho para fazer e era preciso aproveitar a biblioteca até mais tarde. No dia seguinte, ao meio-dia, estavam na minha conferência e tinham lido textos entretanto sugeridos. Encontrei-os ao fim da tarde numa das bibliotecas de humanidades a requisitar livros para o fim-de-semana, se bem que a sexta-feira à noite começava com uma aula de ginástica ou um jogo de futebol nos terrenos da universidade. Sim, eram alunos de letras mas fazem desporto na universidade. Longe vão os tempos em que Raul Miguel Rosado Fernandes, homem das letras clássicas, à frente de um grupo da Faculdade de Letras de Lisboa, se sagrou campeão nacional de remo, derrotando inclusive a equipa da Escola Naval. Quem quiser comparar os alunos da época com os de hoje, há-de perceber como eles se tornaram menos leitores, menos saudáveis e mais doentios.
Em Portugal inventamos muitas desculpas e desvalorizamos os relatórios que dão conta da preguiça congénita dos nossos universitários. As excepções, valiosas, têm o aspecto de uma explosão que há-de ser contrariada pelo ambiente da própria universidade corredores sujos, grafitis nas paredes, os poucos relvados desertos, as bibliotecas pouco utilizadas para investigar. Contei isto a alguns amigos. Falei-lhes do sistema de empréstimo de livros, do ritmo de leitura, das livrarias cheias no centro de Providence, das actividades extracurriculares, do facto de os alunos dos estudos Portugueses e Brasileiros terem lido Eça (3 a 4 livros), Camilo, Machado, Cesário, Camões e de saberem bastante de literatura portuguesa e brasileira contemporânea (não "por ouvir dizer" mas por "ler"). E de os debates nas aulas serem aguerridos, ricos, mostrando leitura e preparação. Disseram-me que eu estava muito americanizado embora eu me limitasse a mostrar-lhes os resultados do inquérito sobre a Universidade de Coimbra, onde se vê - como escrevi - o retrato da miséria escolar e da miséria cultural.
Basta comparar. Basta estar atento. Basta ler os sinais desta pobre falta de curiosidade portuguesa. Pobre país que tanto precisa de punir a pequena "nomenklatura" preguiçosa.
Francisco José Viegas,in. "Jornal de Notícias", 5 de Março de 2007
Uma distinção na maneira como conhecemos as coisas, salientada por Russell; veio a constituir um elemento central da sua filosofia depois da descoberta da teoria das descrições definidas. Conhece-se uma coisa por contacto quando há experiência directa dela. Conhece-se uma coisa por descrição se ela apenas puder ser descrita como algo que tem certas propriedades. Informalmente, pode dizer-se que eu conheço a minha esposa e os meus filhos por contacto, mas que conheço alguém como «a primeira pessoa nascida no mar alto» apenas por descrição. No entanto, um conjunto de motivos levou Russell a restringir o domínio de coisas que podem ser conhecidas por contacto, até que, por fim, incluiu nesse domínio apenas as experiências imediatas, talvez o meu próprio eu e certos universais ou significados. Tudo o mais é conhecido como a coisa que tem tais e tais qualidades.
Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, Gradiva, p.83
Conhecimento
Os verbos conhecer e saber são sinónimos e costumam ser utilizados de três maneiras diferentes. Na frase «A Ana sabe nadar», o termo «sabe» serve para atribuir à Ana uma determinada competência ou capacidade; por sua vez, na frase, «A Ana conhece o primeiro ministro» o termo «conhece» significa que a Ana é capaz de identificar alguém (ou algo), ou também pode significar que ela tem ou teve algum tipo de contacto com essa pessoa (ou coisa); finalmente, na frase «A Ana sabe que Paris é a capital de França», o que se afirma que a Ana sabe é algo que tanto pode ser verdadeiro como falso. Neste último caso, o que vem a seguir a «sabe que» é uma outra frase que exprime uma proposição. Este é o sentido proposicional de «conhecer», que é objecto de estudo da epistemologia.
VA ,(org. Aires Almeida), Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, p.42
A democratização do saber conduziu a que se sentisse a necessidade de divulgar a ciência e o saber em geral. A teoria do génio isolado foi já ultrapassada. O saber faz-se em comunidade e mais vale cooperar do que ser egoísta. Quer isto significar que a via mais eficaz para esta cooperação é começar pela e na educação a despertar os mais jovens para o saber, conhecimento e ciência. O Plano Nacional de Leitura, uma das políticas do governo português em matéria de educação, apresenta anúncios televisivos nos quais se alerta que a iliteracia é a principal porta para a exclusão social. Na verdade todos os caminhos vão lá parar, apesar de chocante, o anúncio televisivo revela uma verdade irrefutável nos dias que correm. Alguns, muito poucos ainda, professores universitários, sabem disto. Carlos Buesco, Nuno Crato ou Carlos Fiolhais, cientistas e investigadores, professores no ensino superior português dão passos muito importantes no sentido de ir ao encontro do público em geral. No caso da filosofia temos, para já, Desidério Murcho e pouco mais. Este é um trabalho que ainda está por fazer no nosso país e é a reforma que o sistema educativo necessita, mesmo antes de resolver os problemas profissionais dos professores. Precisamos, em Portugal, de boas obras, escritas de forma clara e que possam apresentar aos iniciados (e professores também) as teorias da ciência e os problemas da filosofia. E tal pode ser feito de modo divertido, como Carlos Fiolhais faz com este feliz regresso à Física Divertida, pela mão da Gradiva. A característica que Fiolhais atribui à física, que ela é divertida, é extensível a todos os ramos da ciência e à filosofia. É até muito mais divertida do que alguma vez sonhamos. E este tipo de edições, mesmo em termos comerciais, tem uma dupla vantagem: vendem bem e dão a possibilidade das editoras depois publicarem trabalhos mais especializados e exigentes.
O Plano Nacional de Leitura deveria atravessar este ponto: é importante ler, sem dúvida, mas é necessário ter para ler em quantidade e qualidade. Como queremos ler se só tivermos disponíveis obras de tratamento difícil? Que será de um jovem de 15 anos se quiser começar a aprender os problemas da filosofia começando por ler um parágrafo da Fenomenologia do Espírito de Hegel? Provavelmente esse passo é a condenação à morte da filosofia para esse jovem. O livro de Fiolhais é prova disto mesmo. É claro, competente e sabe, de forma divertida introduzir o neófito em duas teorias centrais da física para o sec. XXI, a física quântica e a teoria da relatividade. E o trabalho de Fiolhais é um exemplo para os seus colegas das universidades, desde a filosofia à biologia, a química à antropologia e história, matemática, etc… É precisamente isto que vemos acontecer com especialistas em diversas áreas em alguns países estrangeiros, precisamente aqueles onde existe mais ciência, mais conhecimento e mais filosofia. Se o saber e o conhecimento não puder ser divulgado desta forma, nesse caso, só nos resta esperar por uma experiência religiosa: que deus nos abençoe com conhecimento e sabedoria genial para fazermos o mundo avançar! Na pior das hipóteses (aquela que já acontece), temos de importar tudo até que a nossa iliteracia nos torne absolutamente dependentes e miseráveis.
Rolando Almeida
Carlos Fiolhais, Nova Física Divertida, Gradiva, 2006
Está aberto, desde 1 de Março de 2007, o período de subscrição pública de uma Petição dirigida à Senhora Ministra da Educação, cujo conteúdo fundamental consiste nas duas seguintes pretensões:
1. A reintrodução, nos Cursos Científico-Humanísticos de nível secundário de educação, do exame final nacional de Filosofia (10.º/11.º anos), simultaneamente para efeitos de aprovação e de ingresso no Ensino Superior nos cursos que o requeiram.
2. O alargamento da oferta da disciplina de Filosofia A do 12.º ano, como opção da componente de formação específica, a todos os Cursos Científico-Humanísticos.
Para mais informações, nomeadamente sobre as formas de subscrição desta Petição, queira, por favor, consultar a página http://www.spfil.pt/peticao.html.
O que é que é a verdade e qual a sua importância? Quais as condições necessárias e suficientes para pensar a verdade? Harry Frankfurt já fez a mesma reflexão em relação à treta( Da Treta, ed Portuguesa Livros da Areia Editores, 2006). Parece que a nossa cultura possui uma devoção muito maior à treta que à verdade. Porque é que isto acontece? O verdadeiro e o falso são categorias significativas? E como usamos a verdade?
Harry Frankfurt (1929), conhecido filósofo moral e especialista no racionalismo do século XVII, foi professor de filosofia na universidade de Princeton (EUA), procura responder a estas questões num livro que constitui, além do mais, uma edição muito bonita. Entre nós temos a tradução de On Bullshit que chegou a nº1 de best sellers do New York Times, o que prova o interesse generalizado pela filosofia em países como os EUA ou Inglaterra. A tradução de obras deste género, de divulgação da filosofia a um público mais geral escritas pelos especialistas, numa linguagem clara e acessível, em tudo beneficia a filosofia, mostrado as suas possibilidades não só para campos específicos de especialização, bem como no mundo da economia cultural, dos negócios e das urgências mais quotidianas e práticas. Fazer este trabalho é uma prática ainda pouco comum no nosso país, sendo que, ainda assim, o ano de 2006 nos prendou com a preciosa edição do livro de Desidério Murcho, Pensar Outra vez, filosofia, valor e verdade, ed. Quasi, a partir do qual, o público português pode descobrir o quanto a filosofia é importante nos dias de hoje, a sua pertinência na nossa vida quotidiana e o seu valor intrínseco. Por enquanto vamos sonhando que temos um livro de filosofia em Portugal como best seller. E tal é possível se o saber se despir de preconceitos.
Rolando Almeida
Harry Frankfurt, On Truth, Alfred A. Knopf, New York, 2006
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Blog de divulgação da filosofia e do seu ensino no sistema de ensino português. O blog pretende constituir uma pequena introdução à filosofia e aos seus problemas, divulgando livros e iniciativas relacionadas com a filosofia e recorrendo a uma linguagem pouco técnica, simples e despretensiosa mas rigorosa.