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A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

Um teste empírico, Uma experiência didáctica com manuais

A seguir publica-se uma experiência de um colega com o manual Arte de Pensar. A publicação neste blog é feita com o acordo do autor da experiência. A razão pela qual se publica este relato é porque se trata de uma experiência significativa evidenciadora das diferenças entre manuais. Muitas das vezes nós, professores, pensamos na escolha do manual com os nossos pressupostos. Tenho defendido uma ideia simples: tal como nós gostámos de aprender por bons livros, claros e rigorosos, é natural que os nossos alunos, adolescentes, sintam o mesmo desejo. As diferenças entre os manuais são enormes e, aqui, o Arte de Pensar fica em clara vantagem. A ideia não é defender o Arte de Pensar atacando outros manuais, mas que o Arte de Pensar possa constituir um bom incentivo para se fazer bons manuais, didacticamente acertados.
Agradece-se ao professor de filosofia e colega João Paulo Maia.
Rolando Almeida

Tenho, por vezes, feito inquéritos relativamente detalhados aos meus alunos.

Porém, desta vez decidi fazer uma coisa muito simples, a que se deverá
chamar talvez apenas «questão anónima» ou «eleição do melhor manual de dois». Não se trata pois de um inquérito com n itens, não tendo também elaborado um estudo na sequência do mesmo. Tentei testar apenas aquilo que intuía, utilizando uma coisa elementar (também no sentido de não sofisticada).
Expliquei aos alunos qual era o objectivo da questão que lhes era colocada: ajudarem-me, e indirectamente tentarem ajudar também os meus colegas, na escolha do melhor manual de filosofia que eles conheciam. A escolha seria feita pois com base nos dois manuais com que eles tinham contacto – o Arte de Pensar e o Manual adoptado pela escola. Mais: seriam eles a recolher os questionários, a fazer a contagem de votos e a elaborarem uma pequena acta sobre aquilo que se iria passar na aula. Como veio a suceder.
Os alunos tiveram contacto com o Arte de Pensar através de excertos, nomeadamente, na área da Ética mas não só: alguns deles consultaram várias vezes o site do Arte de Pensar no que se refere, por exemplo, a textos de apoio e ao glossário.
Creio que o que fiz não é nada de especial. É simples e permite-me ter uma ideia clara sobre o que os alunos pensam, dadas as duas alternativas em questão.
O texto do documento é pois uma coisa elementar. Passo a transcrever:
«Inquérito Anónimo – Qual é para si o melhor manual?
Na sua avaliação deve ter em atenção estes factores: clareza, rigor, exemplos utilizados, criatividade. Em síntese, diga qual é o manual pelo qual aprende mais e melhor. (Coloque uma cruz)

Arte de Pensar _____

XXXXX X XXXX _____

[Identificação da turma e data]»

O que está a X é o nome do manual adoptado na escola e que na pequena folha que entreguei aos alunos aparecia, obviamente.
Num dos casos, que passo a transcrever, fez-se a acta (a que os alunos
decidiram chamar Declaração), no dia seguinte:
«Declaração
Para os devidos efeitos, declaramos que no dia 19 de Março de 2007 os alunos da turma 10º F da Escola Secundária X fizeram a escolha do
melhor manual de Filosofia, por votos, com os seguintes resultados:

Arte de Pensar: 17 votos.
XXXXX X X XXXXXX: 1 voto.

Local x, 20 de Março de 2007.

(Seguem-se duas assinaturas – da delegada de turma e de outra aluna que
substituiu a ausência do subdelegado)»

Há quatro anos lectivos, creio, que o manual X está adoptado na escola e foi

escolhido porque os meus colegas entendiam ser um manual acessível para os
alunos que a escola tinha e continua a ter, com algumas alterações – por
exemplo: temos apenas a partir do corrente ano lectivo alunos do Básico.A Coordenadora de Departamento e do Grupo Disciplinar de então salientava este facto – o de se tratar de um manual acessível. Foi aliás através dessa nossa colega que vim a conhecer o Arte de Pensar, manual pelo qual se bateu quanto à sua adopção, no que diz respeito ao 11º Ano, decorria então o ano lectivo  de 2003/2004. Porém, não conseguiu fazer valer a sua posição pois, na reunião desse ano lectivo efectuada com o explícito propósito de escolher um manual para o 11º, o Arte de Pensar não era conhecido pelos restantes colegas (entre os quais, eu próprio). É provável, não sei, que o manual lhe tivesse chegado demasiado em cima dessa reunião e talvez por isso não o tivesse dado a conhecer com antecedência. O que sei é que tinha analisado uma data de manuais e apontou como sua escolha o Arte do 11º (falava na altura das vantagens, nomeadamente, do apoio on-line). Foi, à época, a única pessoa a votar no Arte. Essa nossa colega era uma pessoa solidária, de um coração enorme e que não se coibia de dizer o que pensava. Infelizmente já não a temos entre nós, tendo falecido há cerca de ano e meio. Perdi (perdemos) uma colega espectacular que, talvez sem querer, me deixou, entre muitas outras coisas importantes, a possibilidade de eu conhecer o vosso manual.

É comovidamente que digo isto.

João Paulo Maia
Professor de Filosofia do Ensino Secundário Público


Como se faz um filósofo, Colin McGinn

Como se faz um Filósofo acompanha o percurso de Colin McGinn, filho e neto de mineiros, originário de Blackpool; na infância o melhor que poderia aspirar seria a uma carreira na construção civil ou como baterista num grupo de rock. Porém, durante a adolescência descobre Descartes e apaixona-se pela Filosofia. Sendo o primeiro da sua família a ingressar na universidade, a escolha da Filosofia não era a mais óbvia ou a mais bem aceite e assim começa pela Psicologia. Posteriormente decide-se em definitivo por aquela, tendo de enfrentar a perplexidade dos pais e da família. O que faz um filósofo? Como vive? De que se sustenta?

Desde a infância em Inglaterra até à partida para a América McGinn guia-nos de forma apaixonante pelo que foi a evolução do seu pensamento e a sua maturação como filósofo. Apresenta uma perspectiva contemporânea das grandes figuras da Filosofia do século XX, (incluindo Bertrand Russell, Jean-Paul Sartre, Noam Chomsky, entre outros), conta as histórias dos professores que o marcaram, as suas aventuras com os jogos de vídeo, o seu gosto pelo mar, os seus breves encontros com Jennifer Anniston ou Spielberg, sempre numa prosa elegante, clara e acutilante.
Dos estudantes de Filosofia ao leitor comum, todos se deixarão prender pela vivacidade das páginas escritas por McGinn.

(da contracapa)

Colin McGinn, Como se faz um filósofo, Bizâncio, 2007

Para que serve um manual?

Em tempo de muitas matérias em discussão sobre educação, os manuais escolares ocupam um lugar central. Isto acontece porque os manuais são a ferramenta, o instrumento usado para transmissão de conhecimentos. Na minha prática de professor, um mau manual pode contribuir, por vezes de forma decisiva, para a degradação do ensino e das aulas. Por outro lado, os manuais são a referência de estudo para os alunos, na maior parte das vezes, a única referência. No nosso país chegou-se a um estado deplorável com manuais que incluem fotografias que vão desde as personagens dos morangos com açúcar, a shows televisivos, etc… Os manuais do ensino secundário português são, com raras excepções, um autêntico desfile carnavalesco de figuras famosas ou alusões ao supérfluo. Curiosamente são muito mal cuidados do ponto de vista dos conteúdos. Pensa-se, fruto do «eduquês», que os alunos vão estudar mais porque o manual faz referência ao seu herói preferido. O mais grave ainda é que este estado em que se encontram grande parte dos manuais, é uma consequência directa da falta de rigor e conteúdos dos programas das diferentes disciplinas. Como os programas partem do pressuposto de um ensino centrado no aluno, então subestima-se os jovens e há que dar azo à imaginação mercantil com o vale tudo nos manuais para cativar os nossos alunos. Curiosamente a minha experiência de ensino é já suficiente para provar que não é isto que cativa os alunos. O aluno médio está-se “nas tintas” que o manual traga uma fotografia do seu herói televisivo ou que apresente um texto simplório sobre um diálogo qualquer de café. O que fascina os neófitos é precisamente o rigor e clareza com que os conteúdos de conhecimento são apresentados. Se são apresentados de forma clara e rigorosa, os alunos gostam, se não o é, os alunos nem sequer se incomodam em abrir o manual. Qualquer aluno meu interessa-se mais com um texto que possa levar sacado a um qualquer livro da colecção Ciência Aberta ou Filosofia Aberta, ambas da Gradiva. Costumo até ter alunos ou que acabam a comprar os livros ou pedem-mos de empréstimo. Mas estes são os mesmos alunos que, com efeito, não abrem os manuais da escola. Recentemente levei um livrinho pequeno, que não possui qualquer imagem ou desenho, para as minhas aulas. Chama-se, A mais bela história do Mundo, os segredos das nossas origens, de Huebert Reeves, Joel De Rosnay, Yves Coppens e Dominique Simonnet, ed. Gradiva, um livro de entrevistas aos cientistas autores do livro. Abri-o numa página à sorte e lancei a pergunta aos alunos que lá vem no livro: “- Como se formam os planetas?”. Pude passar uns belíssimos momentos de aula com os meus alunos a tentar descortinar o universo e o conhecimento.
 
Pobres com mentalidade de ricos
Recentemente chegou-me às mãos um manual inglês de filosofia. Chama-se Philosophy in practice, an introduction to the main questions, de Adam Morton. Qual o meu espanto! Afinal o manual chega-me de um país rico, mas não possui uma única cor a não ser o negro das letras em contraste com o branco do papel. Mas o que se seguiu foi ainda mais perplexo: o manual é claro e rigoroso, explica a filosofia com uma suavidade como se estivéssemos dentro de uma nave a percorrer as principais obras da história da filosofia. Desenganem-se aqueles que pensem, pelo que acabei de afirmar, que se trata de uma história da filosofia. Não! Trata-se de um livro que nos introduz directamente aos problemas centrais da filosofia. De repente senti uma revolta enorme. Apeteceu-me traduzir o livro de fio a pavio e baldar-me para as leis de adopção dos manuais. Imprimia uns quantos exemplares em minha casa e levava-o para as minhas aulas. A filosofia, quando é tratada assim, tem uma vitalidade tão grande, que dispensa qualquer adorno porque está a jogar em casa, confrontando o aprendiz com os seus problemas, de forma directa, clara e apetecível. Estou certo que os meus alunos agradeciam a minha tradução e dispensariam de boa vontade o manual português, feito com papel de qualidade, com fotografias impressas com todas as tonalidades que a fotografia actualmente possibilita, com os seus múltiplos cadernos de actividades que ninguém usa nem pega, com os seus poemas a tomar o lugar onde deveriam estar os textos e problemas filosóficos, com as suas alusões patetas de que filosofia é escrever muito e dar muita “palha”, com os seus conteúdos expostos em bloco e de modo somente histórico fazendo confundir a filosofia com a história, com a sua conversa de café transformada numa espécie de sociologia barata para a qual um adolescente não tem paciência, com sua linguagem confusa e ininteligível para um adolescente, com… com… com…. Enfim, com um manual que, afinal de contas, é uma evidente perda de tempo e com o qual nada se pode aprender de realmente significativo e atraente, um manual que apenas promove a estupidez dos mais jovens. Eles merecem mais! Todos precisamos do conhecimento.
Mas há sinais de esperança! No caso concreto da filosofia, o manual A Arte de Pensar, Didáctica Editora de Aires Almeida, António Paulo Costa, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus e Pedro Galvão é uma pérola. E para prová-lo convido o leitor leigo em filosofia ao seguinte exercício: compre o manual A Arte de Pensar, leve-o para casa. Leia-o. Depois diga-me se a filosofia é ou não atraente! Afinal, por vezes, tinham-nos contado uma má história. Mas ela pode ser bem contada.
 
Adam Morton, Philosophy in practice, an introduction to the main questions, Blackwell (first published 1996; reprinted 1996, 1998, 1999)
 
Aires Almeida, António Paulo Costa, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus e Pedro Galvão, A Arte de Pensar 10 e 11, Didáctica Editora, 2003
Rolando Almeida

O futuro da natureza humana

 
 Esta obra de Habermas saída agora em tradução, coloca questões que são actualmente incontornáveis com o avanço da clonagem e da manipulação do genoma. Quais as consequências dessa manipulação genética para a moral e para a dignidade humana? Será que a auto-transformação genética da espécie alarga a nossa autonomia ou, pelo contrário, constitui uma instrumentalização da vida humana? Se a eugenia negativa que visa eliminar as possíveis doenças hereditárias do indivíduo parece mais pacífica, a eugenia positiva enquanto selecção de características desejáveis por parte dos pais levanta inúmeras questões. Estamos numa época em que a biotecnologia pode alterar o nosso corpo e, assim, modificar a forma como encaramos a existência humana. É o caso do diagnóstico de pré-implantação onde se escolhem as células mais favoráveis.
 
            Para este filósofo, a intervenção genética é uma tecnicização da espécie e interfere com as normas e com a ética da liberdade. Na verdade, alguém que se descobre no futuro como “fabricado” e manipulado antes do nascimento, sem que tivesse hipótese de dar o seu consentimento, vê-se numa situação irreversível que transforma completamente a sua biografia. A partir desse momento já não pode entender a sua vida como estando completamente nas suas mãos. Os objectivos biopolíticos da genética – o melhoramento da saúde da população, o prolongamento da vida e da melhor nutrição – ligam-se necessariamente a outros elementos como o lucro, típicos da sociedade liberal.
 
         Consoante a medida em que o jovem eugenicamente manipulado descobrir o seu corpo como algo que também foi propositadamente feito, a sua perspectiva de participante numa “vida vivida” poderá colidir com a perspectiva objectivadora do seu fabricante ou artífice. (p. 94)
 
Habermas realça a desdiferenciação biotecnológica que esbate as fronteiras entre o natural e o artificial, e que nos afasta da consciência que temos da nossa espécie como humana. Afectada a autocompreensão do indivíduo como espécie, a eugenia liberal provoca uma instabilidade nas nossas concepções de Direito e Moral. Para Habermas, a moralidade reside na capacidade de comunicação entre todos os membros da comunidade linguística em pé de igualdade e de forma livre. Ora, percebe-se facilmente que uma pessoa fabricada já não possui o mesmo estatuto de liberdade do que o seu programador. Desde logo não teve forma de dizer não a esse gesto e, quando descobre já nada pode fazer.
 
As intervenções eugénicas de aperfeiçoamento afectam a liberdade ética, na medida em que amarram a pessoa em questão a desígnios – rejeitados, mas irreversíveis – de terceiros, vedando-lhes assim a possibilidade de se ver espontaneamente a si mesma como única autora da sua própria vida. (p. 107)
 
Será que caminhamos para uma eugenia liberal? O que fazer para o impedir? Sabemos que é difícil, senão mesmo impossível, travar a evolução da ciência, mas neste domínio vamos deparar com questões complexas que, provavelmente, neste momento ainda não podemos avaliar inteiramente.
 
Será que vamos poder ainda ver-nos como pessoas que detêm a autoria da sua própria vida e se confrontam com todas as outras, sem excepções, como indivíduos iguais por nascimento? (p. 117)
 
Habermas analisa a questão sobretudo do ponto de vista ético e jurídico. Porém, muitas outras implicações não menos importantes se podem retirar da manipulação genética, como é o caso de constituir formas de controlo social e modos de sujeição política sobre os indivíduos. Parece-nos que esta questão não será resolvida se estiver entregue apenas ao seu aspecto jurídico.
Habermas, O Futuro da Natureza Humana. A Caminho de Uma Eugenia Liberal? Tradução de Mª Benedita Bettencourt, Edições Almedina, 2006
José Caselas, Escola Secundária de Miraflores

Saber ouvir aqueles que sabem

Não se pode viver sem entendimento, próprio ou emprestado; mas há muitos que ignoram que não sabem e outros que pensam que sabem, não sabendo. Os erros da estupidez são irremediáveis, pois, como os ignorantes não se têm por tal, não procuram o que lhes faz falta. Alguns seriam sábios se não julgassem sê-lo. Por isso, ainda que haja poucos oráculos da prudência, vivem ociosos, porque ninguém os consulta. Pedir conselho não diminui nem a importância nem a capacidade, antes as abona. Ao aconselhar-se com razão, evita-se o ataque da má sorte.
(1647)
Baltasar Gracian, A Arte da Prudência, Planeta, Lisboa, 1994,  94

O que é a Filosofia?

Esta é uma questão menos inquietante quanto possamos pensar. Ou, pelo menos, é tão inquietante quanto a pergunta, o que é a Física, a Matemática ou a Biologia. Poderíamos responder que a Física trata dos fenómenos físicos ou que a Biologia é a ciência da vida. Mas estas são respostas circulares, a resposta não adianta nada à pergunta. Do mesmo modo podemos responder que a Filosofia é o conhecimento dos argumentos dos filósofos. Se pretendêssemos aprender pintura a primeira tarefa a esperar no nosso estudo seria começar a pintar. Do mesmo modo, a melhor forma de aprender filosofia é começar a filosofar. Mas como começar a filosofar? Afinal, para que serve a filosofia? Bem, já reformulamos a nossa questão. Poderíamos voltar a responder elaborando novas questões como, para que serve a matemática?, para que serve a pintura?, a música?, a Física?, etc… E poderíamos responder que a música serve para tocar música, bem como a filosofia serve para pensar com rigor. Nova questão: pensar o quê?
Aqui exige-se uma nova resposta: pensar os problemas filosóficos. E quais são os problemas filosóficos? Assim, parece, podemos esboçar algumas respostas. Se quisermos saber se existe vida em Marte, enviamos uma sonda a Marte e examinamos todos os pormenores do planeta alcançáveis pela sonda até saber se há ou não vida em Marte. Até hoje a experiência diz-nos que não há vida em Marte e esta é a nossa resposta para a pergunta se há ou não vida em Marte. Com a filosofia acontece algo bem diferente. Os problemas filosóficos são aqueles que existem na vida humana mas não podemos fazer experiências práticas para os resolver. Por exemplo, o problema do aborto é, antes de tudo, um problema moral. Os problemas morais jogam entre o que é o certo e o errado na acção humana. Não temos forma de saber pela experiência se o aborto é certo ou errado. Ainda que pedíssemos a 20 mulheres grávidas que abortassem para ver o resultado, nada concluiríamos sobre se o aborto é certo ou errado. Como sabemos então o que é o certo e o errado? Filosofando. E filosofar é pensar argumentos que nos possam indicar o que é o certo e o errado. Claro que este exercício não é fácil de fazer. Primeiro temos de saber o que achamos sobre o assunto, se achamos certo ou errado o aborto e, então, depois, temos de procurar as melhores premissas que justifiquem a nossa teoria, que é sempre a conclusão do argumento.
Por exemplo, posso pensar que o aborto é moralmente errado porque o feto é um ser humano e é errado matar um ser humano. Se seguir uma ética deontológica como a do filósofo Kant, penso sempre em agir conforme a minha máxima racional e, por essa razão, matar é sempre errado. Mas se, pelo contrário, seguir os preceitos éticos de Stuart Mill, penso a moral com conceitos diferentes, os de prazer e da dor (antes dos princípios racionais) e, nesse sentido, devo agir de modo a maximizar a maior felicidade para o maior número de pessoas. Neste caso, se um feto correr o risco de nascer deformado, não é moralmente errado abortá-lo.
Em conclusão, os problemas filosóficos, como os do gosto, na Estética, os morais, na Ética, os da existência de Deus, na filosofia da religião e os do conhecimento, na filosofia da ciência, são aqueles que não possuem resolução empírica (pela experiência) e, assim, tenho de os argumentar, conhecendo os argumentos clássicos dos filósofos e colocando a toda a prova racional os nossos argumentos que muitas das vezes mais não são que a expressão de um certo preconceito. Agora já somos capazes de dizer o que é a filosofia e para que serve.
 
Rolando Almeida
Publicado originalmente na revista de Filosofia da Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco, ZarcoSofia, Nº1. Artigo escrito a pensar nos alunos do Ensino Básico

Diálogos Sobre a religião Natural - O argumento do desígnio

O problema dos argumentos em favor da existência de Deus é, por natureza, um problema filosófico e tem cabido aos filósofos discuti-lo. Vários são os argumentos em disputa argumentativa, sendo que um dos mais pertinentes é o argumento do desígnio. Desde os filósofos gregos que este problema é colocado, sendo que só não mereceu discussão mais livre durante o período medieval, precisamente aquele em que as peias da civilização eram determinadas pela instuituição católica. Durante este período a discussão estava presa dos preceitos da inquisição e ainda hoje é um problema recorrente que não deixa de apresentar um confronto muitas vezes chocante com as nossas crenças mais básicas. O argumento do desígnio tem muitos contornos interessantes de se examinar e discutir, sendo dos que mais facilmente se compreende, é a analogia que ele envolve. Podemos formalizá-lo da seguinte forma:
As casas têm um criador
Os seres vivos são como as casas
Logo, tal como as casas, também os seres vivos têm um criador
Esse criador é Deus.
Nos Diálogos sobre a religião natural, David Hume discute este argumento em favor da existência de uma entidade necessária. Para Hume esta analogia é fraca, uma vez que não podemos estabelecer analogia forte entre a criação de um objecto e a criação do universo. Na verdade normalmente comparamos objectos porque possuímos outros objectos para comparar. Mas como tornar essa analogia possível para com o universo? Só se conhecêssemos outros universos. Acontece que não conhecemos outros universos como conhecemos casas, além da nossa.
Álvaro Nunes, tradutor desta obra para as Edições 70, faz uma inteligente e produtiva análise do texto de David Hume na introdução revelando a ideia clara que o problema em discussão continua em aberto e que o texto de Hume constitui um passo arrebatador em torno dos argumentos do desígnio. É uma tarefa muito interessante esta a de traduzir as obras mas também de fazê-las acompanhar de uma introdução que conduza ao acompanhamento do que está a ser discutido e apontando para a actualidade do tema. E Álvaro Nunes consegue-o muito bem. Recomenda-se a edição e a leitura atenta à introdução, uma vez que, o problema dos argumentos em torno da existência de Deus, cabe em responsabilidade de todo o ser pensante. Esta introdução explora ainda o argumento a priori, discutido por Hume nos diálogos e finaliza com o problema do mal.
Agradeço a sugestão de leitura desta introdução e edição a Desidério Murcho
David Hume, Diálogos sobre a religião natural, Ed.70, 2005. Introdução, tradução e notas de Álvaro Nunes
 
Rolando Almeida

Um blog a visitar - De Rerum Natura

De Rerum Natura
A natureza das coisas
O que faz um físico, um filósofo, uma pedagoga, um matemático, uma química mais um e uma bióloga todos juntos num mesmo espaço? Poderíamos ser levados a pensar que estariam todos a defender o seu saber e conhecimento atacando todos os outros. Mas esta é uma ideia completamente errada quando falamos de conhecimento e ciência. O conhecimento goza de uma linguagem universal e todos os contributos são alicerces na sua construção. Como nos mostraram os gregos, sem diálogo e discussão racional não há nem democracia, nem saber. Mais recentemente Carl Sagan foi o grego moderno. E em Portugal? Ninguém sabe disto? Anda tudo de costas voltadas? A resposta, ainda tímida, é Não. Carlos Fiolhais, Desidério Murcho, Helena Damião, Jorge Buescu, Palmira F. Silva, Paulo Gama Mota, Sofia Araújo sabem com que linhas se pode cozer a ciência, a filosofia e o saber em geral. Por essa razão se sentam à mesma mesa, uma mesa disposta publicamente num gesto aparentemente vulgar (um blog), mas, no assunto, muito invulgar em Portugal: dialogar, discutir, apresentar argumentos e contra argumentar. Ainda por cima temos a oportunidade de assistir a este diálogo. É um gesto muito nobre, este, que antecipadamente, agradeço aos autores. Um blog com todos estes nomes, a falar de ciência e filosofia em português é um momento ímpar e muito bem vindo, mas ainda sobra uma questão: as televisões em Portugal estão à espera de quê? Que a ignorância aumente ainda mais para poderem vender sub produtos comerciais? Contra a idiotacracia do eduquês, aqui temos um exemplo a ampliar.
A discussão está aberta em: http://dererummundi.blogspot.com/
Rolando Almeida

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Blog de divulgação da filosofia e do seu ensino no sistema de ensino português. O blog pretende constituir uma pequena introdução à filosofia e aos seus problemas, divulgando livros e iniciativas relacionadas com a filosofia e recorrendo a uma linguagem pouco técnica, simples e despretensiosa mas rigorosa.

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