Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

Nova religião digital

 Uma vez mais, no blog de software Peopleware, o colaborador Rui Oliveira faz luz sobre a religião da nova era digital, o freeware. Como estou impedido de usar livremente a secção de comentários desse blog, escrevo aqui algo sobre um dos últimos posts do autor. Claro que o que aqui interessa é lançar alguns argumentos para uma questão que ainda está longe de encerrar uma verdade, motivo autosuficiente para debater o problema. A notícia do post refere-se a uma condenação nos EUA por um utilizador da internet que tirou músicas livremente sem as pagar, numa habitual partilha de ficheiros. Mas a verdade é que no último parágrafo do texto, Rui Oliveira levanta um problema interessante:

 

 “Imagine que você vai a um concerto da sua banda favorita e grava algumas das suas músicas e mais tarde distribui aos seus amigos. Será que está a fomentar a pirataria ou simplesmente a promover a sua banda favorita?

 

Bem, não me parece de todo que ao objectar aqui um argumento do Rui, esteja intencionalmente a publicitar o seu trabalho, mas em certo sentido é verdade         que faço alguma publicidade, ou, numa palavra talvez com conotação menos comercial, faço alguma divulgação. O problema que aqui se pode colocar é se o meu acto prejudica o interesse de terceiros? No caso da música prejudica e já explicarei o meu argumento. Mas nas caixas de comentários alguns leitores referem que muitos músicos enriquecem graças à divulgação massiva proporcionada pela internet. E tal até é verdade, não só para músicos, mas também para escritores por exemplo. Mas é preciso pensar que artistas beneficiam que a divulgação massiva da internet? Serão os pequenos artistas ou, pelo contrário, os artistas com pouca ou nenhuma projecção?

Nos primeiros anos da internet, muito se teorizou sobre o assunto e parecia mais ou menos pacífico o argumento de que finalmente os artistas se podiam ver livres das imposições comerciais dos grandes grupos editoriais. Alguns músicos famosos como David Bowie foram pioneiros ao disponibilizarem músicas suas, inéditas e de forma gratuita na internet. A verdade descoberta principalmente com o advento da net 2.0 é que a internet não livrou os criadores das imposições de mercado e do capitalismo agressivo. Artistas como David Bowie ou como o caso mais recente dos Radiohead, podem disponibilizar discos inteiros na internet cabendo ao utilizador a decisão se quer ou não pagar alguma coisa para descarregar o disco. Ao mesmo tempo não faltam companhias e empresas ansiosas de patrocinarem operações desta natureza. Algumas delas – como o caso dos Radiohead – são decisões apoiadas pelas próprias editoras. E por que razão isto acontece? Precisamente porque só os grandes e gordos artistas beneficiam com o download gratuito. Continuam a viver da música, sempre acompanhados de grandes e chorudos patrocínios, ao passo que o pequeno criador continua, como antes do advento da internet, a ser esmagado pelo mercado absorvido pelos grandes. Se o José Saramago quiser disponibilizar o seu mais recente livro gratuito na internet, não lhe faltarão patrocinadores a pagar bem, assim como milhares de utilizadores vão pagar livremente 1 ou 2 euros para descarregar o livro. Eu já paguei para descarregar livros quantias como 1€. E fi-lo de livre vontade. Acontece que o pequeno artista, que tem um emprego como caixa de supermercado e faz música nas horas livres, se depara com as seguintes dificuldades:

1)      Oferece gratuitamente o seu disco na internet, mas ninguém lhe vai pagar nem sai do pequeno circuito de amigos e conhecidos

2)      Não consegue qualquer patrocinador, nem ganhará milhões na publicidade já que as regras de mercado são essas: não chega a muita gente, logo, não vende e não é apoiado.

Neste passo o mais provável é que o leitor esteja a pensar: mas, afinal, qual a diferença do mundo de mercado antes da internet e depois da internet? A resposta é simples: nenhuma! E o problema é mesmo esse. O freeware, ao contrário do que argumentam muitos dos seus adeptos, incluindo Rui Oliveira, não constitui qualquer versão alternativa do funcionamento das coisas ao que já conhecíamos mesmo sem internet. O freeware não combate o monopólio da Microsoft. É mais do mesmo.

Mas existe uma diferença e que se liga directamente ao que estou aqui a defender. Se um disco é gravado numa editora, ele não só dá emprego às pessoas da editora, como alimenta todo um processo económico de distribuição e venda. Por exemplo, quando vamos à Fnac e compramos um disco estamos a pagar ao artista, à editora, à empresa que produz a matéria prima de que é feito o disco, à empregada da limpeza, etc. No freeware e com a net 2.0 grande parte deste trabalho é produzido gratuitamente e por amadores. Quem ganha com isto? Os gordos da Google, por exemplo. Como se vê o mundo do gratuito e do freeware não constitui qualquer alternativa para controlar os grandes grupos económicos, com a agravante de que os monopólios criados são governados por um núcleo de pessoas muito reduzido, como são exemplos a wikipédia, muitas versões Linux e a Google. Eles são outra face da mesma moeda e continuam a existir, razão pela qual tenho pensado que só o fanatismo digital pode conduzir pessoas como Rui Oliveira a não conseguirem observar esta realidade. Mas o Rui é um exemplo de um blog que sigo. Como ele muitas outras pessoas igualmente com conhecimentos sólidos nas mais variadas matérias, defendem a mesma religião free. E ao contrário do que observa o autor do post que motivou este meu texto, o problema não é unicamente legal. Antes de ser um problema legal é realmente um problema que merece ampla discussão, já que ninguém tem a verdade no bolso pronta a servir.

4 comentários

Comentar post

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Blog de divulgação da filosofia e do seu ensino no sistema de ensino português. O blog pretende constituir uma pequena introdução à filosofia e aos seus problemas, divulgando livros e iniciativas relacionadas com a filosofia e recorrendo a uma linguagem pouco técnica, simples e despretensiosa mas rigorosa.

Arquivo

  1. 2009
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2008
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2007
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2006
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D