O argumento de S. Anselmo
Ao reflectir sobre o conceito de Deus, Santo Anselmo define-o como aquele «ser maior do que o qual nada pode ser pensado». Daqui, Santo Anselmo conclui que Deus existe, uma vez que se não existisse, não seria aquele ser maior do que o qual nada pode ser pensado. Este é um argumento por redução ao absurdo. Vejamos em mais pormenor como funciona.
A primeira distinção importante a ter em conta para compreender o argumento é a diferença entre existir no pensamento e existir na realidade. Exactamente o que significa dizer que algo existe no pensamento? Todas aquelas coisas que podem ser por nós pensadas existem, num certo sentido, no pensamento: existem enquanto objectos do pensamento. Por exemplo, quando pensamos no Pai Natal, ele é o objecto do nosso pensamento e, nesse sentido, o Pai Natal existe, mesmo que não exista na realidade. Deste modo, há coisas que existem apenas no pensamento, pois são objecto do nosso pensamento, sem existirem de facto.
· Uma coisa existe no pensamento quando pensamos nela.
· Uma coisa existe unicamente no pensamento quando pensamos nela e não existe na realidade.
Há coisas que, além de existirem no pensamento, existem também na realidade. Por exemplo, o escritor português José Saramago tanto existe no pensamento como na realidade.
Vejamos agora o segundo aspecto importante do argumento ontológico. S. Anselmo define Deus como «o ser maior do que o qual nada pode ser pensado». Mas em que sentido é um ser ou um objecto maior do que outro? O que conta aqui não é a grandeza física, mas se um ser possui ou não mais qualidades do que outro. Por exemplo, o edifício Amoreiras é fisicamente maior do que a Torre de Belém, mas daí não se segue que este seja maior, no sentido de ter mais qualidades, do que a Torre de Belém. Qualidades que conferem grandeza a algo são coisas como a antiguidade, o valor histórico, a beleza, etc. No caso de pessoas, as qualidades que conferem grandeza são, segundo S. Anselmo, coisas como a bondade e a sabedoria. Uma pessoa mais bondosa e sábia do que outra é, neste sentido, maior ou superior à outra.
· Um ser é maior do que outro se tem mais qualidades.
Dizer que Deus é «o ser maior do que o qual nada pode ser pensado» é dizer que Deus é supremamente perfeito, ou seja, possui todas as qualidades.
Vejamos agora como funciona o argumento ontológico. O argumento tem a seguinte estrutura:
Premissa 1: Deus é o ser maior do que o qual nada pode ser pensado.
Premissa 2: Deus existe apenas no pensamento.
Premissa 3: Se Deus existe apenas no pensamento, então podemos conceber um ser maior do que o qual nada pode ser pensado, nomeadamente, um ser que exista também na realidade.
Conclusão: Logo, é falso que Deus exista apenas no pensamento. Isto é, Deus existe também na realidade. Ou seja, Deus existe.
A premissa 1 dá-nos a definição de Deus. A premissa 2 é a hipótese a ser refutada. Se fosse verdade que Deus existisse apenas no pensamento, como nos diz a premissa 2, então haveria algo maior que Deus, o que contraria a premissa 1. A ideia é que a existência é uma perfeição. Ou seja, um ser que existe na realidade é mais perfeito ou maior do que um ser que não existe na realidade. Por exemplo, imagine-se duas casas igualmente perfeitas. Imagine-se que uma existe apenas na cabeça do arquitecto e que a outra existe também na realidade. A que existe na realidade é por isso melhor do que a que existe apenas no pensamento do arquitecto. Assim, dado que Deus é supremamente perfeito, tem igualmente de existir na realidade. Logo, Deus existe.
Será que este argumento estabelece a existência de Deus?
V/A, A Arte de pensar, 10º Ano, 2007, Didactica