Computadores, cadernos e ensino
Ainda não me tinha passado pela cabeça pronunciar-me sobre o computador Magalhães. Tenho observado uma avalanche de críticas negativas ao computador distribuído às crianças em idade escolar no primeiro ciclo de ensino. Talvez a crítica mais radical veio de um colega professor que afirmou dar-lhe nojo, o computador. Fixei esta crítica, não porque do ponto de vista argumentativo ela contenha alguma substância, mas porque ilustra aquilo que penso que motiva as críticas ao computador. O que se crítica na maioria das vezes não é o computador mas a cobertura política em torno do computador. O que é que tem de mal o computador? Do conhecimento que tenho de informática, não vejo mal algum no PC.Tem um processador Celeron, que não será dos mais rápidos, mas que cumpre bem com a sua função. Está munido de um software interessante e custa uns 50€ (preço que a maioria das famílias pode pagar sendo que aquelas que não podem pagar obtêm o computador a custo zero). Não é isso desejável? Creio que é. Pelo menos eu ficaria mais feliz se soubesse que todas as crianças tem acesso a uma ferramenta que até então só as crianças de famílias mais abastadas tinham.
Outro dos argumentos anti Magalhães que leio e ouço várias vezes é que o PC não é português e que dizer que ele é português é uma mentira. Penso que há algo de verdadeiro nesta proposição. Mas analisemos a seguinte proposição:
Os meus ténis Nike são americanos.
É esta proposição verdadeira? A borracha da sola dos ténis é indonésia, o tecido é indiano e foram acabados no Bangladesh. Uma vez cheguei a ter uns sapatos de uma marca americana que dizia na etiqueta “man-made materials”. Afinal qual a nacionalidade dos meus ténis adidas? Os ténis são americanos porque é lá que está registada a patente e todo o sistema económico em torno dos ténis reside na América.
Recordo um romance do místico alemão, Hermann Hesse, autor que li muito na minha juventude, Peter Carmenzind. Nesse romance o tema era, como em grande parte da obra de Hesse, a viagem, as voltas que um ser humano pode dar no mundo, sejam as voltas mentais, espirituais ou, como no caso do protagonista da história, físicas. Hesse acaba o romance com esta ideia: Tal como as aves pertencem ao céu e os peixes à água, também Peter pertence à sua terra. Acho que era assim.
Daqui decorre que parece aceitável a ideia que o Magalhães é português, tal como o Wolkswagen montado na Auto Europa é alemão. É que o Magalhães tem a patente registada em Portugal. E isto apesar do nosso modelo ser em tudo igual a modelos que se fabricam noutros países. A minha licenciatura em filosofia também é igual a muitas licenciaturas de outras universidades de outros países e não deixa de ser uma licenciatura portuguesa. Ou estarei a pensar erradamente? Admito que sim. Venham as objecções.
Então, o que é que “enoja” as pessoas com o Magalhães? Parto do princípio que é a mentira política que está em volta do PC. Não a da sua concepção enquanto máquina, mas a da sua concepção enquanto política educativa. E é aqui que faz sentido recair a principal e mais directa crítica ao Magalhães. Isto porque não se melhora resultados nem a qualidade em educação distribuindo computadores às criancinhas a preços de saldos. Ainda que a medida seja em si boa (pelo menos assim acredito), ela não devia nunca ser trave mestra numa política educativa. Quanto muito admite-se tal medida como complementar a medidas mais sérias mesmo que não concorram de forma mais directa para a estatística política.
Enquanto política educativa o Magalhães não funciona. A política educativa deve recair sobre a reformulação curricular e a formação continua de professores e não na distribuição de pcs a crianças.
Em conclusão, o Magalhães não me parece ser uma má medida, bem pelo contrário. Vai permitir a milhares de crianças aprender a usar determinadas ferramentas úteis e inevitáveis no mundo que vivemos. Mas não basta dar a ferramenta, é necessária ensinar a pescar com a cana. E é esta a mentira política que pode estar em causa, não o aparelho em si. Não podemos usar o Magalhães como uma das principais bandeiras da reforma educativa, ainda que a medida como complemento possa ser aceitável.
Faltaria talvez referir ainda argumentos mais recentes de que o uso e exposição das crianças ao computador acarreta efeitos menos bons. Bem, não subscrevo esse tipo de argumentos. A exposição continua de qualquer ser humano a qualquer actividade ou ferramente pode sempre degenerar em paranóia
O Magalhães acaba a ser a primeira vitima de uma má política educativa ou da ausência de uma política educativa. Como se não bastasse, o desgraçado computador ainda vem com o software com erros ortográficos.
Rolando Almeida