A Filosofia Moral de Mill
O consequencialismo, tal como formulado, pode parecer uma posição inócua e trivial, mas não o é. Há teorias normativas, «não consequencialistas», que defendem uma relação diferente entre a teoria do bom e a teoria do correcto. Uma teoria não consequencialista típica começa por especificar uma teoria do bom, mas nega, de seguida, que o correcto consista sempre em maximizar o bom.
O seguinte exemplo ilustra a diferença entre o consequencialismo e o não consequencialismo. Suponhamos que um consequencialista e um não consequencialista têm a mesma teoria do bom. De acordo com essa teoria do bom, um estado de coisas em que dez pessoas são mortas é melhor em que um estado de coisas em que duas pessoas são mortas.
O consequencialista e o não consequencialista deparam-se agora com uma situação em que a única maneira de evitar que dez pessoas morram é matar duas pessoas. O consequencialista dirá: se tivermos de escolher entre esses dois estados de coisas, então, dado que o correcto consiste em maximizar o bom, o correcto será matar essas duas pessoas. O não consequencialista, como não acredita que o correcto consista sempre em maximizar o bom, pode dizer que o correcto não consiste, nesse caso, em matar as duas pessoas, mas sim em deixar as outras dez morrer.
Pedro Madeira, in. Prefácio de John Stuart Mill, Utilitarismo, Gradiva, 2005
Notas: Esta teoria aparentemente simples está na base de argumentos defendidos, entre outros, pelo filósofo Peter Singer explorando temas complexos da ética aplicada, entre os quais, o do aborto tão em destaque nos nossos dias em Portugal.