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A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

A Filosofia no Ensino Secundário

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A mania dos manuais

9780415458214 Posso ser acusado de ter a mania dos manuais. Falo muito deles, é verdade. Mas a realidade é que a minha profissão assim o exige. Para quem gosta de ensinar, os manuais podem ocupar uma boa parte do tempo de planificação de aulas. De um lado o manual, do outro o programa da disciplina, em cima, a planificação de escola e ainda um espaço para um caderno ou PC para tirar notas, organizar esquemas, enfim, para todo o trabalho que implica pensar uma aula. É no percurso destas tarefas que nos damos conta dos bons e dos maus manuais. Há pouco estava a ver o powerpoint que resume a comunicação de Tomás Carneiro sobre o curso de pensamento crítico para jovens no encontro nacional de professores de filosofia deste ano e deparei-me com referências ao livro de Alec Fisher, critical thinking. Gosto especialmente deste livro e não me importaria nada de adoptar como manual. De repente ocorre-me a ideia de tentar descobrir qual a razão que faz com traduzamos quase tudo o que queremos estudar, mas não o fazemos com manuais escolares?

Rolando Almeida

Dava-me imenso jeito poder optar, por exemplo, pelo critical thinking de Alec Fisher em vez de, imagine-se, do Arte de Pensar para ensinar filosofia (mesmo tendo em atenção que o critical thinking é uma área mais transversal que a própria filosofia). Se o tivesse traduzido e o pudesse adoptar para as minhas aulas, bastaria pedir ao livreiro com a mesma antecedência com que se pedem os manuais para os mandar imprimir. Como se trata de um livro sem grandes adornos, mas de grande conteúdo, custaria qualquer coisa como uns 10€ a unidade, isto se o preço dos manuais pudesse não ser combinado, como acontece actualmente. Há pois! O programa… então e o critical thinking lá cumpre o programa de filosofia nacional? Pois não cumpre. Não fala da dimensão estética, religiosa, do sagrado e do profano, do lugar da filosofia. Bem, tenho de reconhecer que se trata de uma óbvia limitação e que a minha sugestão é algo patética, pois como eu gostaria de ensinar pelo Alec Fisher, outro professor poderia querer ensinar pelo Lou Marinoff e o caldo estaria entornado, com um “pior a emenda que o soneto”. Pronto, aqui está uma razão especial pela qual não dá para traduzir manuais e temos de os produzir cá dentro. Ok, é uma boa opção. Nada a opor. Mas não deixa de estar aqui um sino no ouvido a alertar de algo que soa muito mal nesta história. É que de repente temos autores que conseguem lançar 3 ou 4 manuais em períodos de 4, 5 anos, mas que nunca publicaram nada de nada além de manuais. Isto soa mal porque sugere que afinal de contas temos bons autores de manuais, mas incapazes de publicar boas obras introdutórias como por exemplo o livro de Alec Fisher (claro que felizmente existem 3 ou 4 excepções que servem com contra exemplo). Imagine-se que eu não pratico desporto, mas de repente mandam-me para os olímpicos porque não há mais ninguém para mandar e alguém terá de ir representar o país. Posso estar meio cinzento que já é tarde e tenho dormido pouco, mas isto não joga com o baralho todo. Além do mais há aqui outra coisa que me soa muito mal: é que a oferta de manuais é até excessiva. Só para o 10º ano, nas adopções de 2007 tínhamos cerca de 16 manuais diferentes para optar por apenas 1 e no 11º, nas adopções deste ano tínhamos cerca de 14. Trata-se de manuais que falam de filosofia da arte, filosofia da religião etc. mas se vou à livraria procurar um livro de filosofia da arte só encontro traduções, se quero um de filosofia da religião, pura e simplesmente não existe e livros dos autores de manuais contam-se por 3 dos 5 dedos da minha mão direita (sendo que cada dedo corresponde a 1 autor). Agora vou fazer uma daquelas comparações que irrita os meus queridos leitores mais agarrados ao mundo de há 40 anos atrás: se comparar esta realidade com a dos autores anglo saxões é exactamente o contrário que se passa. Autores como Stephen Law , Nigel Warburton ou Elliott Sober lançam manuais de filosofia que podem ser usados no ensino como o nosso secundário, mas lançam também outro tipo de obras, nomeadamente introduções. Isto até pode soar estranho, mas se eu quiser deixar de me armar em parvinho até sou capaz de explicar a razão por que isto acontece com os autores de língua inglesa e não com os nossos: porque eles sabem mais filosofia que nós, estudam-na melhor e, muito importante, tiveram cursos incomparavelmente melhor que os nossos que não só os incentivaram a trabalhar e publicar, como ensinaram como tal coisa se faz. E isto pode explicar muita da nossa incompetência a fazer manuais. A realidade é que lucraríamos muito mais se, pelo menos numa primeira fase, começássemos a ensinar e aprender com os manuais dos nossos colegas que se formaram em melhores universidades que nós, em vez de os destruir armados em carapaus de corrida sob o disfarce que são analíticos e sintéticos. Se fossem outra coisa qualquer era essa coisa que criticaríamos. Deixar esta atitude hipócrita é, no mínimo, ter responsabilidade com aquilo que se quer bem aprender para bem ensinar aos nossos estudantes.

Em vez de se gastar milhares de euros em tão maus manuais, em vez de se gastar tempo, paciência e dinheiro em patetadas como supervisão e certificação de manuais, seria uma proposta muito melhor adaptar os nossos programas aos manuais dos colegas de língua inglesa e usar esses manuais. Só este gesto faria mais pela qualidade do nosso ensino do que as mais recentes e contestadas reformas, do que aulas de substituição e quejandos que tal. Mas claro, enquanto não quisermos mudar uma palha teremos mesmo de aguentar talentos raros para fazer manuais, mas incapazes de escrever sequer uma crónica no jornaleco lá da aldeia. E assim continuaremos a viver num mundo bizarro que eu aqui chamo de “mundo da fantasia e ilusão”

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Blog de divulgação da filosofia e do seu ensino no sistema de ensino português. O blog pretende constituir uma pequena introdução à filosofia e aos seus problemas, divulgando livros e iniciativas relacionadas com a filosofia e recorrendo a uma linguagem pouco técnica, simples e despretensiosa mas rigorosa.

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