Que diria Sócrates?
Até o mendigo de rua se preocupa com a distribuição da riqueza. Com frequência encontramos pessoas que discutem questões como o aborto, eutanásia, etc. Cada vez menos raro observamos pais que se questionam sobre a moralidade na mentira sobre a existência do pai natal. Um número crescente de pessoas preocupam-se com a produção industrial de alimentos e os perigos que isso acarreta para a saúde e ambiente, bem como para o sofrimento dos animais. Desde sempre as pessoas adquirem dogmas face à existência de deus e à finitude e discutem ocasionalmente esses dogmas. E hoje em dia também é cada vez menos raro encontrar gente preocupada com as consequências menos positivas desencadeadas pelo progresso tecnológico e científico. O que as pessoas não sabem é que a estrutura base destas questões foram já discutidas pelos filósofos. Estes são problemas para os quais não há experiência possível que nos possibilite respostas conclusivas. São problemas que discutimos e argumentamos. São problemas da vida das pessoas que podem ser discutidos com maior ou menor sofisticação. Essa é uma das razões pelas quais a filosofia é ensinada como formação geral nos currículos escolares portugueses. Precisamente para preparar os indivíduos com as ferramentas que permitem discutir organizadamente estes problemas.
Rolando Almeida
Se lermos os diálogos platónicos, grande parte das questões estão lá, dirigidas pelos discípulos ao mestre Sócrates, daí que o título deste livro que aqui destaco não seja inocente. Uma das virtudes deste volume é que mostra aos leitores como é que as questões são mais complexas do que aparentemente parece e que não existe qualquer vantagem em aceitarmos dogmaticamente as respostas standard. Para além disso o livro mostra como o saber e a ciência progridem para dar resposta às nossas inquietações. Claro que uma investigação sofisticada exige uma preparação que o leitor comum de filosofia não estará habituado, mas a lição a tirar é que compete aos especialistas esclarecer o leitor menos preparado. Esta divulgação do saber é vital para que futuramente mais pessoas se interessem pelo conhecimento. E é por este tipo de livros que muitas pessoas despertam para a filosofia, razão pela qual altos especialistas os publicam. O livro é o resultado do trabalho edificado no ask philosophers, um site dinamizado por doutores em filosofia em que respondem a questões dos leitores. Um bom exemplo de boas práticas na divulgação da filosofia, uma das actividades mais nobres que existem, esta da divulgação do conhecimento. Esta obra, integrada na colecção Filosofia Aberta da Gradiva, é muito indicada para o leitor comum e para todo o público ligado ao ensino da filosofia, professores e alunos. Além do mais o livro é de leitura muito acessível, dado que podemos ler praticamente uma página ao dia (e não fazer como eu que o li de uma assentada só), sem perder o fio condutor. As questões estão organizadas em 4 partes principais que melhor enquadram o género de perguntas colocadas aos filósofos. Organizado pelo principal dinamizador do ask philosophers, Alexander George, conta ainda com parte significativa dos outros colaboradores. Assim, numa boa parte das vezes temos duas respostas para a mesma questão, óptimo principalmente para perguntas que exigem respostas mais complexas.
Não há forma possível de se transmitir um saber sem começar pela base, despertando interesse nas pessoas. Tal é impossível se começarmos essa tarefa com sofisticações que o leitor incauto tem dificuldade em aprender. E não devemos mover qualquer espécie de preconceito em relação aos livros introdutórios. Há-os bons e maus, tal como há teses sofisticadas que são boas e outras más. Certamente um filósofo também redigiu bons argumentos e outros maus. Nada nem ninguém é perfeito. Conheço boas e más formas de iniciar alguém à filosofia. Uma péssima forma é começar pelos textos mais complexos ou autores mais inacessíveis. Uma boa forma é escrever boas introduções, ainda que pseudo elitismo na filosofia nos possa fazer pensar que não. A filosofia transmite-se aos mais jovens e público em geral como qualquer outro saber, pela base. E há que recolher os bons exemplos. Esta é uma leitura recomendável para quem gosta de pensar e obrigatória para professores e alunos de filosofia.
Alexander George (org.), que diria Sócrates?, Filosofia Aberta, Gradiva, 2008