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A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

Entrevista com Jorge Humberto Dias sobre o PROJECT@

Jorge Humberto Dias foi autor do Manual de Formação de Consultores Filosóficos, Filosofia aplicada à vida. Pensar bem, viver melhor, (Esquilo e APAEF) e editou as Actas de IV Congressos da APAEF e escreveu vários artigos sobre o tema, como por exemplo, La Felicidad como Objetivo de la Filosofia Aplicada a la Vida (Grupo de Investigação da Universidade de Sevilha) e Os Alunos como Professores (Peer Instruction) na disciplina de Filosofia – O Ensino Prático da Autonomia (EPA).
Jorge Dias acredita que a filosofia pode desempenhar um papel fundamental na orientação prática para a busca da felicidade. Fundador da APAEF em 2004, Jorge Dias é também Formador de Professores e Consultor Filosófico. Tem realizado sessões de Aconselhamento Filosófico Individual no seu Gabinete PROJECT (Clicar na imagem), em Quarteira, onde recebe consultantes de todo o país. Especializou-se na «Society for Philosophy in Practice», em Londres. É membro do Conselho Científico da «Revista Internacional de Filosofia Prática» e Professor no Mestrado «Filosofia Aplicada à Orientação Racional» (Grupo ETOR – Universidade de Sevilha). É também professor convidado no Mestrado: «Prática Filosófica e Gestão Social» (Universidade de Barcelona).
Jorge Dias tem ainda dado a cara na divulgação da filosofia e manifestado preocupação relativamente ao seu ensino na educação secundária. Era uma falta não convidar Jorge Dias para uma entrevista esclarecedora sobre o seu novo empreendimento, o PROJECT@. Agradeço a disponibilidade imediata do autor para a entrevista que a seguir apresento.
Rolando Almeida

FES - A primeira pergunta é inevitável. O que é o PROJECT@?
JD – O PROJECT@ é o nome do Gabinete de Consultoria Filosófica que criei há pouco tempo. A sua grande aposta é no serviço on-line, mas também na consulta personalizada, face-to-face, no meu Gabinete, em Quarteira. Fornecemos também Consultoria a Instituições, Acções de Formação para Professores, Supervisão de Consultores Filosóficos, Workshops Práticos intensivos sobre temas/problemas do mundo contemporâneo, etc. O nome do Gabinete não é original, foi inspirado no método PROJECT©, que criei e com o qual tenho ajudado algumas pessoas, adultos e jovens adolescentes. Trata-se de uma forma geral de trabalhar com o consultante, tendo como fundamento epistémico-ontológico (desculpem-me o peso da expressão, mas é a forma que considero mais eficaz para que os “filósofos”, sem formação especializada em Consultoria, me possam rapidamente compreender) a consideração do homem como «projecto fundamental» (Martin Heidegger, por exemplo). Por vezes as pessoas ficam a pensar que o método se baseia na seguinte ideia: ter uma pessoa com um projecto à sua frente. E a consultoria filosófica iria ajudar essa pessoa a construir o seu projecto. Meu comentário: também pode ser isso, mas a ideia é fazer perceber às pessoas que são elas o próprio projecto fundamental. E só depois de perceberem isso é que podem começar a trabalhar os seus outros projectos.
FES - Jorge, os leitores deste blogue podem ainda não saber o que é, em traços gerais, a consultoria filosófica. É capaz de sintetizar?
JD – A Consultoria Filosófica é a aplicação da Filosofia aos temas/problemas do mundo contemporâneo. É uma actividade profissional que fornece um serviço de consultas utilizando a Filosofia para diversos fins: ajudar uma pessoa a sentir-se melhor, a resolver um determinado problema ou a compreender melhor uma determinada questão.
FES - O PROJECT@ destina-se a quem?
JD – Destina-se a todas as pessoas que precisem dos serviços que oferecemos. Trabalhamos em regime de parceria e em rede. Aceitamos colaboradores. Basta que nos enviem o currículo. Por vezes, para trabalhar um determinado problema, necessitamos de constituir uma equipa. Pelo que sei, o Dr. Filipe Menezes está a trabalhar com Psicólogos. O Professor Fragoso Fernandes também já trabalhou com Psiquiatras. Outros trabalham com técnicos de intervenção social. Pessoalmente, costumo utilizar muito o Direito, porque actualmente, os problemas que aparecem exigem, quase sempre, um advogado.
FES - O que é que uma pessoa pode esperar quando se dirige a uma consulta de filosofia?
JD – A pessoa que vai à consulta filosófica espera ser ajudada. É igual a muitas outras áreas que trabalham num gabinete/consultório. E a maioria delas desconhece as metodologias da Consultoria Filosófica. Outras, já experimentaram vários tipos de ajuda e vêm desesperadas, pois nada parece conseguir ajudá-las. Muitas aparecem porque leram o Mais Platão, Menos Prozac e ficaram curiosas de experimentar, ou seja, querem ver como é que a Filosofia pode ajudar…
FES - Sei que o Jorge Humberto tem defendido também uma vertente profissionalizada para a filosofia. Qual entende ser o papel do filósofo no mundo social de hoje?
JD – Em primeiro lugar, tenho tentado aplicar à Filosofia algumas ideias do senso comum: a) começo pela imagem – recordo que numa entrevista que dei à ANTENA 3, o Alvim dizia que eu era parecido com Edson Ataíde, que foi consultor de comunicação e imagem na campanha do António Guterres, que por “acaso” até ganhou as eleições. É a experiência que tenho. As pessoas pensam sempre que sou professor de Matemática ou de Informática ou de Educação Física, menos de Filosofia; b) outro mito é de facto a dimensão profissional. A sua pergunta utiliza a palavra “profissionalizada”. É curioso, pois a profissionalização dos professores de Filosofia, no ensino secundário, tem precisamente esse nome. E trata-se de um estágio numa Escola, em que pela primeira vez são atribuídas turmas a um “jovem” professor. Eu defendo isso para todas as áreas da Filosofia. Ser professor é uma forma de aplicar a Filosofia. Alguns conseguem filosofar na sala de aula com os seus alunos. Outros não conseguem ir além da história e da memorização de teorias, conceitos e biografias. Não sei como é que Platão e os seus colegas eram na Academia, mas sempre ouvi dizer que era necessária uma “iniciação”. Na consultoria filosófica é necessária uma formação especializada. Até já pensei que os especialistas em Estética também poderiam avançar pela profissionalização. Os da Lógica também, pois com o Critical Thinking poderiam ser muito úteis em determinadas áreas – como dizia o Professor João Branquinho numa entrevista à SIC.
O problema é que os cursos de Filosofia nunca tiveram qualquer ligação com o mercado de trabalho. Mas acredito que um dia vai aparecer um Departamento a fazer protocolos com empresas para os licenciados estagiarem. Claro está que também têm de aparecer novas licenciaturas. Bolonha facilita muito isso! Quem serão os principais beneficiados com esta renovação da Filosofia? Todos nós, mas sobretudo os jovens licenciados que estão neste momento no desemprego e os professores universitários que foram despedidos devido à reestruturação das Universidades, no âmbito da implementação do Bolonha.
Vamos aguardar. Se não virem o caminho a tempo, pode ser que vejam quando a disciplina de Filosofia desaparecer do ensino secundário em 2010/2011.
FES – Lou Marinoff parece defender que a consultoria filosófica é algo distinto do carreirismo académico. O que é que isso significa?
JD – Vejamos a situação em Portugal: um licenciado em Filosofia pode ser professor do ensino secundário; pode ser professor do ensino superior; e neste momento poder ser Consultor Filosófico. A ideia da APAEF era reunir todos os profissionais e cidadãos interessados, no sentido de promover a profissão em Portugal. Como se sabe, todas as profissões que se organizaram constituíram Ordens Profissionais. Hoje têm um enorme poder na sociedade portuguesa. Os licenciados em Filosofia nunca conseguiram criar uma classe forte, dinâmica, aberta e democrática. Hoje pagam um preço elevado por isso… Fecham-se cursos, milhares no desemprego, etc.
Felizmente, por vezes encontramos licenciados em Filosofia com posições de destaque em Instituições. Mas isso acontece por mero “acaso”, ou seja, devido ao trabalho individual da pessoa e à sorte que teve em ter sido seleccionada. O que eu defendi na APAEF era a importância de uma instituição profissional forte, que conseguisse abrir caminhos para os licenciados em Filosofia. Esse trabalho está por fazer, quer em Portugal, quer em qualquer país do Mundo. Recordo até uma frase do Professor José Barrientos, quando comentava comigo, num congresso, que a APAEF era das associações mais dinâmicas e criativas do mundo.
O “carreirismo académico”, para o professor Marinoff, não se encaixa nas três hipóteses que referi, pois é aquele professor universitário que apenas investiga, escreve artigos muito tecnicizados e especializados, nunca aplicando a Filosofia aos temas/problemas do mundo. É o mundo dos filósofos, onde a filosofia é aplicada somente a si própria.
FES - Sei que o Jorge tem investido muito na questão do ensino da filosofia nos currículos de formação geral do ensino secundário. O que é que deveria mudar no ensino da filosofia?
JD – Em primeiro lugar, tenho que dizer que a Reforma do Ensino Secundário foi positiva para a Filosofia. Em 2005/2006, ano da consolidação, entraram imensos professores de Filosofia no sistema educativo público. Precisamente porque os grupos de Filosofia tinham a seu cargo as disciplinas de Filosofia 10, Filosofia 11, Filosofia 12, Psicologia A e B. Algumas escolas também aproveitaram a Sociologia e a Ciência Politica.
Actualmente, o cenário é bastante diferente. Aumentou o desemprego dos professores de Filosofia, porque Filosofia 12 quase não existe nas escolas, Sociologia e Ciência Politica foram para outros grupos e a Filosofia 10 e 11 também está a diminuir, pois tem havido uma maior aposta nos cursos profissionais, que não têm Filosofia.
A grande curiosidade é saber se os cursos profissionais vão ter sucesso. Em caso afirmativo, vai restar aos professores de Filosofia a Área de Integração e a Cidadania.
Nestes últimos anos, na Presidência da APAEF, propus várias vezes à DGIDC a disciplina de Filosofia para Crianças no 1º ciclo. Houve abertura para apoiar a elaboração de um documento-tipo «Orientações para a Leccionação da Disciplina de Filosofia para Crianças no 1º Ciclo». Por razões várias, a APAEF não elaborou ainda esse documento. Propusemos também a criação da disciplina de Ética. Inicialmente, pensou-se que o melhor era o 9º ano. Mais tarde, a proposta foi para o 12º ano, em substituição da Filosofia 12.
Por último, a questão que considero menos urgente, embora importante. Os Programas. Também penso que deveriam ser reestruturados. Ainda não tenho uma ideia muito sólida sobre este assunto. Tenho analisado os programas noutros países e confesso que ainda não arrumei as minhas ideias para Portugal. Quanto aos Manuais, creio que muito há a melhorar, mas também tenho verificado que, aos poucos, temos vindo a evoluir. As editoras vão dando mais apoio aos autores e os próprios autores, com a concorrência, vão melhorando, pois todos querem vender…
Por falar em editoras, hoje vemos imensos licenciados em Filosofia como coordenadores editoriais, onde fazem muito trabalho de consultoria com os autores. Aliás, os professores do ensino secundário não podem acumular a actividade docente com o trabalho empresarial nas editoras. Portanto, o licenciado em Filosofia tem que optar: ou professor ou coordenador editorial.
FES - E ao nível do ensino superior?
JD – Já respondi um pouco a esta questão. Penso que o ensino superior está pior que o ensino secundário. Como carreira, é mais insegura. Ainda me lembro de ver colegas no superior, a recibos verdes e com ordenados em atraso. Acabaram por ser despedidos e hoje estão no desemprego. Enquanto que os colegas do ensino secundário, conseguiram progredir na carreira e hoje ganham € 1500,00 e estão no quadro de nomeação definitiva de uma escola.
Mas tenho esperança que o ensino superior português se modernize e abra as suas portas à inovação, ao empreendedorismo, às parcerias, etc.
FES - Regressando ao PROJECT@. Consegue-se viver da consultoria filosófica em Portugal?
JD – Acho que hoje não se consegue viver só de uma actividade profissional. Não apenas por questões financeiras, mas sobretudo por questões de realização pessoal. No entanto, há que reconhecer as dificuldades da Consultoria Filosófica. Não tanto pelo mercado, mas sim por lacunas na formação inicial (licenciaturas). Hoje penso que uma formação especializada não chega. Acho que era necessária uma licenciatura em Consultoria Filosófica. Em Turim, Itália, já existe a Escola Superior de Counseling Filosófico.
FES - Que perspectivas pode ter um recém licenciado em filosofia para exercer uma profissão em Portugal?
JD – Sem uma associação profissional forte, creio que as perspectivas serão muito poucas e dependentes, sobretudo, da capacidade de iniciativa e dinamismo do licenciado. Mas acredito que um licenciado criativo, capaz de enriquecer o seu currículo com outras áreas, terá fortes possibilidades de encontrar emprego. Outro caminho é a criação do próprio emprego. Por exemplo, como dizia o Professor Alves Jana, uma empresa de Filosofia.
É curioso ver as saídas profissionais que as Universidades oferecem para as licenciaturas em Filosofia. A APAEF fez esse estudo e publicou-o na sua página WEB. Pergunto: que oferecem os currículos para garantir essas saídas profissionais? Podíamos até pegar numa. Algumas Universidades apresentam como saída o Consultor Ético. Pergunto: esta contemplado um estágio, por exemplo, numa empresa da região, onde o licenciado possa praticar? Se quase todos os cursos fazem protocolos com Instituições da região, porque é que os departamentos de Filosofia não fazem? Se já fazem ou fizeram com o Ministério da Educação, para que os licenciados possam estagiar nas escolas, porque não contactar outros Ministérios?
FES - Qual a leitura que faz pelo facto da bioética em Portugal estar praticamente entregue aos cursos de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa? Não teremos em Portugal a moral e a ética sob o olhar da instituição católica?
JD – Esse é outro mito. Acho isso naturalíssimo. As instituições católicas têm tradição na valorização da moral e da ética. Mas hoje já vemos Universidades públicas a fazer concorrência. Por exemplo, a Associação Portuguesa de Bioética, está sediada na Universidade do Porto e também oferece serviços de consultoria ética, assim como formação pós-graduada.
Aliás, sabe-se que no Conselho Nacional de Ética existem vários conselheiros com formação inicial em Filosofia. E quando foi o referendo do Aborto, vimos opiniões diferentes.
Acho que os licenciados em Filosofia deveriam ser mais dinâmicos e trabalhar na Bioética. Se tudo for feito em regime de autonomia, creio que os impedimentos serão muito poucos…
FES - Finalmente, o que podemos esperar para os próximos anos do PROJECT@?
                JD – Sinceramente, não sei qual vai ser o futuro do Gabinete. Mas uma coisa
           posso prometer: as novidades irão aparecendo por lá…


 

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Blog de divulgação da filosofia e do seu ensino no sistema de ensino português. O blog pretende constituir uma pequena introdução à filosofia e aos seus problemas, divulgando livros e iniciativas relacionadas com a filosofia e recorrendo a uma linguagem pouco técnica, simples e despretensiosa mas rigorosa.

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