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A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

A Filosofia no Ensino Secundário

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Natal e Filosofia - Xmas Files

Agora que se aproxima o natal, é natural que tenhamos de ir à despensa buscar as bolas e o pinheiro, bem como todos os adereços da época para a decoração da casa, preparando-a para a celebração do nascimento de Jesus Cristo. Claro está que nos entusiasmamos muito mais com os doces da época festiva e os embrulhos que aparecem em volta da árvore de natal e do presépio, tudo numa manifestação de esquecimento do que estamos verdadeiramente a comemorar. Talvez só estejamos a comemorar porque gostamos de comemorar, mas fazemo-lo numa data específica, para ter um motivo. Também os adeptos do Futebol Clube do Porto parecem gostar de comemorar campeonatos lá mais para Junho.
Rolando Almeida

Gostamos de celebrar. Com efeito, o natal pode despertar uma série de questões relativamente à orla cultural que o embrulha. Esta é a proposta de um livro muito simpático de Stephen Law, imagine-se, precisamente sobre o Natal e a Filosofia. Claro que a esta altura já tenho leitores a torcer o nariz, pensando: então este indivíduo não deu paz à formiga Z porque alega que ela não é filósofa e está agora a sugerir-nos a aprender filosofia a partir de alguns elementos da época que se avizinha? É verdade, meus caros! É mesmo essa a minha dura proposta. Mas, pensará o leitor, como é que o vai fazer sem se contradizer? Em primeiro lugar nunca defendi que não se possa falar de filosofia a partir do assunto x ou y, mas sim que é errado fazê-lo num manual escolar, principalmente se pensarmos que a filosofia é em si tão rica que não precisa de muletas para se segurar no ensino secundário. Em segundo lugar porque defendo que tudo vai depender do modo como se fazem as coisas. Claro que há livros que falam da relação entre o dedo grande do meu pé direito e a filosofia (não estou a brincar, Woody Allen fê-lo num dos seus divertidos livros, se não estou em erro, em Para acabar de vez com a cultura) e fazem-no de forma pedagógica e consistente e outros que falam do “dasein” de Heidegger de modo inconsistente. E daí? Daí que somos livres de expor a filosofia como quisermos, desde que não a desvirtuemos nem do seu método, a lógica, nem do seu objecto de estudo, os problemas postulados a priori. Podemos igualmente pensar que nem é preciso ser grande filósofo para expor a filosofia e os seus problemas a partir de um livro que a relaciona com o Natal. Mas tal não me parece verdade. É um terreno escorregadio para quem não sabe de filosofia escrever um livro sobre ela relacionando-a com o que quer que seja. Claro que, como nas outras áreas do saber, também na filosofia existem excelentes divulgadores que nem por isso são excelentes filósofos ou filósofos de renome. Mas, por regra, os bons divulgadores da filosofia são bons conhecedores da sua história e dos seus problemas. Estão dentro do assunto. É por essa razão que ler o livro de Woody Allen para aprender filosofia é um mau começo, mas ler Warburton, Stephen Law ou Thomas Nagel ou, no caso português, Desidério Murcho, é boa pontaria. A diferença entre aprender filosofia com Woody Allen ou com Nigel Warburton, é que o cineasta não sabe nem está por dentro da filosofia, não é a sua área, ao passo que Warburton é professor de filosofia, está por dentro da filosofia e trabalha-a. Thomas Nagel, por exemplo, tem livros de filosofia complexos e não é por essa razão que deixa de publicar livros acessíveis de divulgação. O mesmo acontece com Desidério Murcho que possui obra complexa e outra destinada exclusivamente ao ensino secundário. Embora não deva generalizar a questão, a verdade é que temos, entre nós, autores de manuais que não são bons divulgadores da filosofia. Os autores são, na verdade, profissionais da filosofia, mas muitos deles não se sujeitaram aos upgrades necessários para poder avançar com manuais sérios de filosofia. Mas existe aqui ainda outra razão que pelo menos iliba os autores de fazerem melhores manuais. Não cabe aqui discutir essa razão, mas não posso fazer uma acusação que é claramente injusta. E essa razão prende-se com o próprio programa de filosofia, possibilitado pelo sistema educativo fortemente impulsionado pelo eduquês, que não abre espaço a maior rigor na própria disciplina. A consequência disto é que se vive num clima de hipnose quase completa relativamente ao conhecimento  da filosofia e a disciplina em vez de contribuir para derrubar preconceitos, numa boa parte das vezes, contribui para os acentuar, ainda que de forma não consciente. Esses preconceitos manifestam-se nas ideias com que as pessoas ficam depois de terem estudado dois anos de filosofia, de que é uma disciplina que envolve muita subjectividade e valem todas as opiniões e demais chavões que muitos manuais ainda sugerem e que se debitam acriticamente, nem que seja debitar acriticamente que a filosofia é o lugar crítico da razão. Ora bem, esta é a ideia que livros como os de Woody Allen ou até alguns manuais de filosofia produzem, mas daí não decorre que sejam ideias verdadeiras. Os livros que aqui divulgo sobre filosofia e o Hip Hop, filosofia e o natal ou filosofia e o meu dedo grande do pé direito, não são livros que produzam no leitor esta falsa ideia da disciplina. Pelo contrário são livros que, partindo de temas comerciais, produzem no leitor uma ideia valiosa, clara, rigorosa e actual da filosofia, para além de consistente e consequente. Explicadas as razões, quem é, afinal, Stephan Law? Trata-se de um desconhecido no nosso país, mas com vasta obra publicada de divulgação filosófica para adolescentes e neófitos no universo dos problemas filosóficos. Professor de filosofia no Heythrop College, Universidade de Londres, é autor de, entre outros, The philosophy Files, The outer limits e the philosophy Gym, entre outros, alguns dos quais, já divulgados no blog. Para além disso, Law mantém um interessante blog interagindo com os leitores, que pode ser visto aqui. E de que nos fala, afinal, este The Xmas Files, the philosophy of christmas? Fala-nos do “desembrulhar dos presentes” e do egoísmo psicológico, da possibilidade de sermos generosos ou se o nosso acto de oferecer prendas é ou não interessado, levantando aqui um interessante problema moral. Mas há mais problemas morais no desembrulhar dos presentes. É que o presente é a recompensa pelos actos bons durante o ano. Como é que um consequencialista vê o problema? E um deontologista? Num outro capítulo o autor discorre sobre o problema de deus e a sua relação na época natalícia, expondo, para tal, alguns dos principais argumentos em torno do problema da filosofia da religião da existência de deus. O autor centra-se nos argumentos cosmológico e do desígnio. Mas há mais, desde o problema da guerra, da fé, tradição etc… trata-se de uma leitura de introdução a alguns problemas da filosofia. Uma leitura que constitui uma boa base para se perceber como se discutem os problemas da filosofia. Não é uma abordagem forçada, é divertido e consegue ser muito sério no modo como os problemas são colocados e como o leitor pode, de uma forma leve, compreender alguns dos problemas centrais da filosofia. É importante que apareçam autores como Stephen Law que possuem a pedagogia necessária para saber levar a filosofia a pessoas que não têm muito tempo para se ocuparem dos problemas e que, de outro modo, jamais teriam acesso a eles. E também acaba por ser uma boa leitura para jovens, porque muito atraente e com uma linguagem pouco técnica ou formal. Creio que era bom termos gente a escrever assim em língua portuguesa, de forma descomplexada, mas com conhecimento dos problemas da filosofia. E se temos tantos autores de manuais escolares (chegamos a ter quase 20 manuais em opção só para um nível de ensino), porque razão é que parte desses autores, se possuem a pedagogia adequada para escreverem manuais, não escrevem estes livros para o público em geral?  
Bem, enquanto não temos os nossos autores, vou escrevendo aqui no blog e pensando se os milhares de Perús que são mortos no Natal, também não possuem direito moral à vida???
Só uma curiosidade final. Este livro foi comprado no amazon inglês e custou-me a módica quantia de 1 cêntimo + cerca de 5€ dos portes (creio que é o dinheiro dos portes que possibilita algum lucro pela venda)
Stephen Law, The Xmas files, the philosophy of christmas, Weidenfeld & Nicolson, 2003


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Blog de divulgação da filosofia e do seu ensino no sistema de ensino português. O blog pretende constituir uma pequena introdução à filosofia e aos seus problemas, divulgando livros e iniciativas relacionadas com a filosofia e recorrendo a uma linguagem pouco técnica, simples e despretensiosa mas rigorosa.

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