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A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

A Filosofia no Ensino Secundário

Novidades editoriais de interesse para estudantes e professores de Filosofia.

Relação entre a filosofia e o bom gosto

Muito tenho discutido aqui sobre os preconceitos criados em torno da filosofia. A razão para o fazer é porque ouço, diariamente, disparates em relação à filosofia e àquilo que ela é, bem como da atitude que, face a ela, podemos e devemos manter. Desde o típico, “os filósofos são todos loucos”, passando pela célebre, “a filosofia não serve para nada”, ou até o mais simpático, “os da filosofia são cultos e profundos” (uma espécie de demiurgo místico que vê mais que os outros e que ficaria muito bem com uma tenda numa qualquer feira de Vilar de Perdizes).
Rolando Almeida

Mas convém esclarecer que estas ideias sobre a filosofia não passam de idiotices que nem sequer uma ideia vaga conseguem transmitir. Regra geral até temos uma ideia vaga, mas aproximada do que é e para que serve a física ou a biologia. Quando estamos na filosofia, verifico que as pessoas muitas das vezes não só não tem ideias vagas, como são completos disparates que nada tem que ver com a filosofia. No máximo, poderíamos aqui tentar estabelecer um paralelo com o intelectual francês de finais do sec. XIX, mas ainda assim, a ideia que temos da filosofia e dos filósofos, mais não seria que a versão “chunga” do original francês, uma espécie de abajur comprado na feira de Carcavelos.
Mas o interessante é que andamos cheios de preconceitos sobre os filósofos e a filosofia, sem sequer nos questionarmos sobre qual a razão de ser de tal coisa? Por exemplo, pode ser estranho encontrar alguém que saiba muita filosofia e ao mesmo tempo tenha comprado a discografia completa dos Napalm Death. Mas que coisa estranha, pensamos… como é que tal coisa é possível? Como é que alguém como Colin McGinn gosta de fazer surf? Só pode tratar-se de um filósofo de brincar, daqueles analíticos, pensamos nós!!! Gostar da música dos terríveis Napalm Death e fazer surf é incompatível com a filosofia e, por essa razão, tais pessoas não serão nunca filósofas. Mais! Uma pessoa como o Colin McGinn parece completamente saudável, o que não se compatibiliza com a filosofia. O Slavoj Žižek sim, que é um autêntico “louco” (formado com Lacan e nas escolas francesas). Apesar de não se compreender lá muito bem as relações que estabelece, um pouco porque lhe apetece, entre política, poder mundial e cinema de David Lynch, a verdade é que reúne aquelas características que gostamos de ver num filósofo:
- É meio louco a falar e tem um ar suficientemente aéreo para ser filósofo.
- É difícil entender o que ele diz, pelo que não é acessível, logo é bom para a filosofia.
- Estabelece relações que só ele vê, um pouco como o bruxo de Fafe, que também tem algumas características para ser filósofo (não fossem aqueles casacos pirosos e os crucifixos).
Nada mais parvo, mas esta realidade acontece, infelizmente, ainda que Slavoj Žižek seja realmente um bom filósofo e diga coisas importantes. E estes preconceitos mesquinhos existem mesmo dentro da comunidade de gente formada em filosofia, o que é ainda mais de estranhar. Muitas das vezes, ser formado em filosofia implica gostar de cinema europeu, música alternativa, poesia marginal e ser, pelo menos durante a juventude, um radical anti sistema. Bem, uma espécie de artista diletante ou bailarino de Bolshoi a viver numa água furtada parisiense. Para terminar, a característica essencial é passar muitas e longas horas sentado no café a impressionar os outros, nem que seja com um ar solitário, de livro na mão e a tirar apontamentos. Uma vez perguntaram-me se tinha algo contra as conversas de café. A pergunta é boa, até porque aprecio muito uma boa conversa numa esplanada à beira mar. Simplesmente não é aí que se faz filosofia ou ciência. A investigação exige muito mais que uma cerveja na mão e um pires de tremoços, por muito agradável que nos possa soar a ideia. E a verdade é que, se a investigação e divulgação em filosofia nos pode despertar para as grandes obras humanas, ainda assim, não existe nenhuma relação de obediência entre ser comentador especialista de Platão e ao mesmo tempo contemplar o Requiem de Mozart. Apreciar Diamanda Galás, Sonic Youth ou Joy Division não possui relação directa com a filosofia, ainda que, no limite, alguns autores defendam que é impossível fazer, por exemplo, filosofia da arte, sem conhecer as grandes manifestações artísticas. Mas, neste sentido, facilmente podemos admitir que se possa gostar de Phil Collins (que para mim é pura e simplesmente um dos reis do pimba internacional e de um enorme mau gosto) e fazer filosofia da mente.
Na cultura europeia é estranho o modo como os norte-americanos fazem programas de rádio de filosofia, com guitarradas de bandas como Rage Against The Machine ou Stone Temple Pilots nos genéricos dos programas. Mas o curioso é que, quando ouvimos uma coisa destas, raramente ouvimos o conteúdo. Ele é, regra geral, consistente, muito informativo e bem construído. E divulga-se desta forma a filosofia. Exemplo disto são os programas da Guerrilla Radio sobre problemas filosóficos. Quando a filosofia está na ordem do dia e interessa as pessoas, tal como a medicina interessa a generalidade das pessoas (nem que seja só para saber o que se deve e não deve comer), ela vive não só nos meios universitários, bem como nos jornais ou programas de rádio e televisão. Quando se ignora a filosofia e o seu poder de actuação na vida prática, fazem-se debates sobre problemas cuja matriz é filosófica, mas nos quais ninguém presente sabe discutir os problemas filosoficamente. Mas os filósofos não aparecem nestes debates (como o exemplo recente do debate sobre a moralidade do aborto), não porque os problemas não sejam filosóficos, mas por pura ignorância tanto de quem organiza os debates, como dos próprios supostos filósofos nacionais. Ignorância do que se publica, do que dizem os filósofos acerca destes assuntos. Mas existe aqui ainda uma outra razão que é conveniente apontar. Diz respeito ao modo arrogantemente estúpido como se olha a própria filosofia: olha-se para a filosofia como uma espécie de revelação mística do ser, só acessível a meia dúzia de abençoados por deus – abençoando-os em grego e latim - e, por isso, inacessível à maioria das pessoas, ao comum dos mortais. Vamos pensar que isto é mesmo assim e colocar, então, uma questão: se a filosofia é para alguns eleitos, que possuem um talento especial que vem não se sabe bem de onde, qual o sentido de ensiná-la nas escolas e universidades? Poder-se-á pensar que é o espaço para os eleitos debaterem as questões filosóficas. Bem, eu, que provavelmente não tenho grande talento para filósofo (mas uma paixão irresistível para saber o que dizem os filósofos sobre os problemas), por que razão tenho de pagar com os meus impostos o luxo dos eleitos? Claro que estou a disparatar, mas regressando ao lado sério da coisa, é bom que se veja que os filósofos defenderem sempre que a filosofia deve ser ensinada. E esse foi o método de Sócrates.
Podemos estar à vontade com os nossos gostos para aprender filosofia. Só temos de ser movidos pela curiosidade no saber. Mas a curiosidade pelo saber educa-se e esta lição sabemo-la desde a antiguidade grega. Vamos dormir descansados com a roupa que amanhã vamos vestir, com os bonecos que enfeitam a nossa prateleira, com os discos que vamos ouvir nos próximos tempos, ou se somos amantes de surf, banda desenhada ou pela pintura de Mark Rothko. Para aprender filosofia o que nos faz falta é mesmo só a curiosidade pelo saber e o gosto pela liberdade de pensar e muito, muito trabalho. Com gosto.
Rolando Almeida


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Blog de divulgação da filosofia e do seu ensino no sistema de ensino português. O blog pretende constituir uma pequena introdução à filosofia e aos seus problemas, divulgando livros e iniciativas relacionadas com a filosofia e recorrendo a uma linguagem pouco técnica, simples e despretensiosa mas rigorosa.

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