Metallica e Filosofia: um acidente no decorrer de uma cirurgia cerebral
Perante este tipo de edições aparece sempre as perguntas da praxe: “o que é que os Metallica tem a ver com filosofia?” Ou comentários como: “isso não vale nada; a filosofia não tem nada a ver com essas coisas mundanas”. Bem, poderia desde já perguntar se a filosofia não tem a ver com as coisas do mundo, tem a ver com quê? Com coisas sobrenaturais? Mas nesse caso a filosofia seria reduzida a uma banalidade, ou uma conversa sem coerência lógica, como é o caso da astrologia. Numa cultura descomplexada e sem preconceitos, a filosofia é talvez a disciplina que, a determinados níveis, melhor desce à rua. Isto claro se a filosofia for feita segundo as suas metodologias específicas. Segundo o editor desta obra, William Irwin, as letras dos Metallica encerram uma riqueza enorme e podem constituir o mote para a reflexão filosófica. Nas palavras de Irwin, «os Metallica convidam constantemente a usar o pensamento, e este livro constitui o guia para pensar através da banda sonora da tua vida», claro está, referindo-se à sua banda de eleição, os Metallica.
Rolando Almeida
O livro está dividido por 5 capítulos como se fossem 5 discos dos Metallica e o livro no seu todo, uma caixa com os discos. O primeiro capítulo, «On trough the never», remete para os problemas da filosofia moral e das emoções. O segundo, «Existensica: Metallica meets existencialism», propõe uma reflexão em torno de alguns dos problemas centrais da filosofia da existência. Repare-se no título de um dos artigos, no caso, de Philip Lindholm, «A luta interior: Hetfield, Kierkegaard, e a busca da autenticidade». O disco 3 (leia-se, capítulo 3), aborda a questão do sentido da vida, em parte em continuação do disco anterior. Leva o título de «Living and Dying, laughing and crying». Destaque para o artigo de Jason T. Eberl, «Viver e morrer como alguém: o sofrimento e a ética da eutanásia».
O disco 4, remete para os problemas da metafísica e epistemologia, com uma excelente entrada com o artigo de Robert Arp, «Acreditar, enganar: Metallica, percepção e realidade». O último disco, o 5, está mais virado para alguns problemas da ética prática, com um artigo de Robert Delfino sobre a conhecida polémica que envolveu a banda e o Napster.
Este livro merece a nossa atenção, quanto mais não seja, para compreender que a filosofia deve ser arrancada a um certo lugar obscuro que durante muito tempo, em determinadas culturas, tem estado agarrada e pode, porque não, descomplexadamente, mostrar-se ao mundo, mesmo partindo de uma inspiração como o gosto pela música de uma banda rock. Não sou um confesso admirador da obra dos Metallica. Preferia muito mais, talvez, ver a obra com o nome: «Sonic Youth and Philosophy» ou, num caso mais recente, «The White Stripes and Philosophy», mas em boa verdade os autores dos artigos conseguiram relacionar o universo de uma banda rock com o universo dos filósofos, sem perder pitada de rigor. Por esta razão o livro já merece a nossa leitura. E, mais que isto, merece uma tradução em português. Não considero a obra das mais acessíveis que conheço do género para jovens adolescentes do secundário, mas estou certo que o facto de merecer os Metallica como destaque, deixaria com certeza muitos jovens com o apetite aberto para a filosofia.
Todos os autores deste volume são professores universitários de reconhecidos méritos e obra publicada.
William Irwin (Edited By), Metallica and Philosophy, a crash course in brain surgery, Blackwell, 2007,260p.