Sobre o conhecimento
Podemos reconhecer o valor da experiência mental lembrando-nos de quão «realista» a realidade virtual se pode tornar. Eis uma variante actualizada da experiência mental. Imagine um progresso científico que permita a um cientista louco extrair-lhe o cérebro e depois preservá-lo num recipiente de produtos químicos que o mantêm a funcionar normalmente. Imagine que o cientista pode enviar dados de entrada, ou inputs, para os canais normais de informação (o nervo óptico, os nervos que transmitem sensações de audição, tacto e paladar). Se tiver boa índole, o cientista fornece informação como se o cérebro estivesse alojado num corpo normal e a viver uma vida razoável: comendo, jogando golf ou vendo televisão. Haveria retorno, ou feedback, pelo que, por exemplo, se o leitor prodizisse um certo «dado de saída», ou output, equivalente a levantar a mão, teria um «retorno», ou feedback , como se a sua mão tivesse sido levantada. O cientista colocou-o numa realidade virtual, pelo que a sua mão virtual se ergue. E, ao que parece, o leitor não teria maneira de saber que isto tinha acontecido, uma vez que para si parecia que a vida normal continuava.
A versão que o próprio Descartes apresentou desta experiência mental não refere cérebros, nem tanques. De facto, se pensar no assunto, verá que ele não necessita de o fazer. As nossas convicções acerca do cérebro e do seu papel no que respeita a gerar experiências conscientes são convicções acerca de como o mundo funciona. Por isso, talvez também elas sejam o resultado dos dados de entrada, ou inputs, produzidos pelo génio maligno! Talvez o génio não tenha tido necessidade de sujar as mãos (?) mexendo em tanques. O génio limita-se a produzir dados de entrada, ou inputs, da maneira apropriada à realidade real – seja essa maneira o que for. Os próprios cérebros e nervos pertencem à realidade virtual.
Simon Blackburn, Pense, Uma Introdução à Filosofia, Gradiva, 2001, pp.34-35